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Duna: Parte 2 traz opulência estética, ação e críticas sociais

É difícil falar sobre Duna: Parte 2, novo filme do diretor canadense Denis Villeneuve sem usar de uma série de adjetivos grandiosos. Babilônico, nabucodosoriano, esplendoroso, de uma opulência estética de encher os olhos… seriam esses os termos se eu pudesse bancar o Milton Cunha (comentarista do Carnaval) comentando Sci-Fi por alguns minutos na TV aberta. Duna: Parte 2 é tudo isso e mais um pouco, pois consegue manter as estranhezas desse universo, uma certa dose de intimismo e cenas de ação que colocam o espectador literalmente dentro do campo de batalha. Fazia tempo que um filme do dito “cinemão pipoca/ mainstream” não me fazia vibrar e tremer dentro da sala escura.

Boa parte dessa imersão na experiência se dá graças à combinação criteriosíssima de imagem MAIS som, sim, as características centrais que fazem o cinema ser o que ele é. Acredito que eu não me sentia assim impactada desde quando assisti o show da banda de ‘drone metal’ Sunn O))) no Southbank Theatre em Londres em 2015. Aquele show teve um impacto tão denso que as cadeiras da sala tremiam – assim como eu – dado o efeito sonoro quase ensurdecedor e ao mesmo tempo ritualístico característico da timbragem e da sonoridade da banda.

No caso de Duna: Parte 2, o sound design (Dave Whitehead) combina os barulhos dos sons da areia do deserto, o barulho ensurdecedor e apavorante das diferentes naves espaciais, o tom da língua Chakobsa, língua própria dos Fremen – especialmente criada por David J. Peterson, que também criou algumas das línguas de Game of Thrones como Dothraki e o Alto Valiriano – falado em alto e bom som durante boa parte do filme, e cujo volume se projeta na voz de Paul Atreides (Timothée Chalamet) em momentos chave, o peso e a leveza dos movimentos dos vilões Harkonnen versus o bailado ritmado de Muadib (o rato do deserto), constroem uma ambiência sonora que se mistura à beleza da trilha de Hans Zimmer.

Duna: Parte 2 é um deleite visual
Duna: Parte 2 é um deleite visual

As imagens focadas em planos abertos e numa grandiosidade que por vezes nos lembra o estilo de Moebius e a edição certeira – de tirar o fôlego nas lutas e mais lenta quando requer sutileza – compõem o corpo e a identidade do planeta Arrakis, ou melhor Duna, nos fazendo compreender aquela paisagem e a sua comunhão com os vermes e a especiaria.

Outro destaque é o figurino magnífico de Jacqueline West (mesma figurinista da parte 1 e de Assassinos da Lua das Flores). Cada visual escolhido conta muito sobre os personagens, suas identidades e afiliações políticas e suas ascensões e quedas. Jessica, mãe de Paul (Rebecca Ferguson) apresenta uma trajetória de ascensão que vai sendo contada visualmente por sua indumentária e em seu próprio corpo (as tatuagens). A Casa Harkonnen e suas inclinações sadomasô na escolha do couro preto e dos colares pesados. Uma sociedade de psicopatas, como o excelente vilão Fayd-Rautha, interpretado por Austin Butler e o Barão Harkonnen (Stellan Skarsgard) nos causam calafrios em sua forma de lidar com o desejo e com o poder, nos trazendo também outras nuances de Lord Rabban (Dave Bautista em atuação sensacional).

Duna: Parte 2 acrescenta a narração da filha do Imperador (Christoper Walken), a Princesa Irulan (Florence Pugh) que vai sendo introduzida na história de forma gradual e desempenha um papel importante no tecer das tramas políticas com as sacerdotisas da ordem Bene Gesserit e outros poderosos.

Zendaya presente

Zendaya tem grande participação nesta continuação
Zendaya tem grande participação nesta continuação

Para quem reclamou do pouco tempo de Zendaya em tela no primeiro filme, Chani assume o protagonismo da trajetória de seu próprio povo e através de seus olhares captamos as sutilezas nas transformações durante a ascensão de Paul Atreides como o novo líder do planeta. Aliás, a química entre ambos é excelente e vemos as hesitações em olhares e ações. A dualidade de Atreides em se assumir Messias e todas as suas escolhas. Nisso, a adaptação do livro está bastante fiel, sobretudo nas críticas e tensionamentos que Frank Herbert construiu para a elaboração desse “mito político/religioso”, escapando do modelo “jornada do herói” que vem se repetindo em uma série de produtos da cultura pop desde sempre. O único refresco no peso das batalhas e nas decisões políticas se dá através do personagem Stilgar (Javier Bardem) que em diversos momentos funciona como um alívio cômico.

Se no primeiro filme, a discussão sobre ecologia e colonização saltava aos olhos, elas seguem na parte 2. No entanto, o foco maior das lentes de Villeneuve se volta para a mitologia das religiões e as consequências nefastas que o fundamentalismo religioso traz para os povos e etnias. A questão da dominação através da criação de narrativas místicas (profecias) são uma preocupação do livro (escrito no ano de 1965) e caem como uma luva para a atualidade desse filme e que com certeza seguirão sendo pontos centrais para se discutir a humanidade e suas relações mesmo séculos adiante, no mais puro exercício de extrapolação do presente. Eis aí a beleza do gênero Ficção-Científica em toda sua grandiosidade criativa, social e política, para além de naves, planetas, lutas estonteantes e bem coreografadas e da dualidade entre vilões e mocinhos.

Duna: Parte 2 é um deleite estético que toca fundo no coração dos nerds esquisitos e já entrou no panteão das grandes adaptações. Aos haters do filme, do diretor e de Chalamet eu desejo que sejam jogados na arena do psicopata Fayd-Rautha ou tenham um encontro com os vermes nas areias do planeta Duna.

Veredito da Vigilia

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