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Pedágio: as hipocrisias das vidas brasileiras

O que me faria cometer um crime? Essa pergunta ficou me perturbando quando saí da sala de cinema após assistir Pedágio, de Carolina Markowicz. Com boas atuações, uma temática pungente e uma mensagem forte, o filme tem tudo para se tornar uma joia escondida do cinema nacional. O que já digo logo de início: é uma pena. O Brasil inteiro deveria ver esse longa e refletir.

Maeve Jenkins é Suellen, uma funcionária de um pedágio que vive uma vida simples ao lado do filho Antonio, chamado carinhosamente de Tiquinho (Kauan Alavarenga) e do namorado Arauto (Thomas Aquino).

Logo no início da narrativa, tentamos entender o que está se passando com Suellen. A colega de trabalho, Telma (Aline Marta Maia) tenta esconder algo em seu celular. Contudo, a protagonista percebe que se trata do pessoal do grupo do trabalho tirando sarro do seu filho.

Antônio usa a rede de vídeos rápidos para empreender. Ele vende produtos de beleza com um cenário de luzes e músicas de divas antigas ao fundo. E esse é o maior pesadelo de Suellen: o medo do filho ser homossexual.

A partir daí, vemos uma mãe que implica com um filho pelo único motivo de ele ser o que ele é. E, principalmente, por pensar no que os outros vão falar. Tiquinho é, na realidade, o oposto de um “garoto problema” como a mãe gosta de pintar. Ele vai para escola, faz as tarefas, tem um emprego em uma lanchonete e faz freelancer em animação de festas infantis, além de vender seus produtos de beleza para deixar as mulheres ainda mais glamourosas! Deixa a casa arrumada, seu quarto é organizado e é carinhoso com a mãe. Mas, para ela, isso não é o suficiente.

Vendo a incomodação da colega, Telma leva um folder. “É o mês de combater essa doença”, comenta a colega de trabalho. Em sua igreja, o pastor promete a “Cura Gay”. Um curso que, ao participar das aulas, o filho deixaria de “ser daquele jeito”, como Suellen gosta de frisar. A mãe, que fica acendendo velas pela sexualidade do filho, acha que é uma boa ideia.

Contudo, tem um empecilho. O curso custa 1650 reais. Um dinheiro que Suellen não tem. E aí a personagem principal do filme resolve ultrapassar a linha e cometer um crime.

O roteiro, também assinado por Carolina, tem uma construção muito interessante. As piadas da internet se misturam com as hipocrisias veladas. O filme arranca gargalhas, mas indigna da mesma forma.

E é na hipocrisia do Brasil que temos a linha principal desse roteiro. Telma, que vai comemora o aniversário de casamento indo ao culto, trai o marido. Suellen comete um crime em função da sua homofobia. Tiquinho, a vítima de todo o enredo, segue sendo carinhoso, coerente, esforçado e muito amoroso com uma mãe que não o aceita.

Até onde as igrejas vão para convencer as pessoas que apenas o que é certo é o que está sendo pregado por eles? Por que, em pleno 2023, um adolescente não pode ser livre para amar? E como uma mãe pode cometer um crime por não aceitar quem o filho dela é? Pedágio nos coloca essas questões. E saímos da sala do cinema querendo essas respostas.

A direção de arte de Vicente Saldanha é excelente. Desde a cor do esmalte cuidadosamente escolhido para Suellen até a parede faltando reboco, mas com decorações caprichadas de Antônio nos fazem ingressar no universo daquelas personagens.

Outro ponto que precisa ser destacado são as atuações. Maeve vem numa crescente e sua dupla com Thomás funciona e convence cada vez mais. Os dois podem ser vistos em Os Outros, da Globoplay e DNA do Crime, da Netflix. Convenceram muito como um casal contraventor. Porém, é preciso ressaltar Kauan Alvarenga. A empatia que ele gera nesse papel é encantadora.

Pedágio estava na lista dos pré-indicados ao Oscar de 2024 como Filme Estrangeiro. E poderia ser um bom concorrente, já que ele é cheio de brasilidades. Assim como Bacurau, do diretor que levou a vaga neste ano por Retratos Fantasmas, Pedágio traz essa crueza do Brasil que se esconde em diversos preconceitos e hipocrisias. Um Brasil que acha que é melhor ter filho bandido que filho Gay. Mas o longa nos deixa uma mensagem: respeite seu filho como ele é. O amor e a aceitação vem de casa. E se você não tiver a coragem de acolher, espere. Talvez quem acolha você é ele.

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