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Nosso amigo extraordinário: uma comédia dramática com boas reflexões

Nosso Amigo Extraordinário (no original Jules) é um daqueles filmes que chegam aos cinemas sem qualquer badalação no comparativo com as grandes produções. Um filme simples, por assim dizer, mas que traz boas reflexões sem tentar parecer mais do que é. Poderia ser muito bem um filme original de algum catálogo de streaming. A diferença é que ele é realmente muito superior a média do que os canais pagos costumam nos entregar. É um filme que toca num assunto que costumamos ignorar, mas que, para mais ou para menos, vai chegar para todo mundo. Nosso Amigo Extraordinário fala sobre envelhecer. Fala sobre saber viver na maior idade e ensina coisas que são básicas, mas acabam se afastando das nossas demandas essenciais.

O longa é produzido pelos responsáveis por “Pequena Miss Sunshine” e tem em Ben Kingsley o grande protagonista, na pele do aposentado Milton. O vencedor do Oscar por Ghandi (1983) está cercado das “quase” amigas Sandy, interpretada por Harriet Sansom Harris (Trama Fantasma, Licorice Pizza), e Joyce, vivida por Jane Curtin (Uma Família de Outro Mundo, Eu Te Amo, Cara). Repetindo a tônica agridoce de Miss Sunshine, sendo também muitas vezes uma dramédia, o filme dirigido por Marc Turtletaub é o tipo de filme que funciona do início ao fim.

Aposentados e perigosos

Milton vive sozinho, vê a filha algumas vezes na semana e tem um filho com quem deixou de se relacionar há algum tempo. Humilde nos próximos objetivos de vida, ele e as amigas buscam pequenas mudanças na cidade em que vivem. Por isso, frequentam a Câmara de Vereadores onde levam suas “demandas”. Milton quer a mudança do slogan da cidade, que segundo ele não faz muito sentido (é uma boa piada, na verdade) e uma nova faixa de pedestres em um cruzamento movimentado. Sandy quer implantar projetos que integrem e embelezem a cidade. E Joyce está sempre acompanhando as reuniões. Por serem aposentados, eles basicamente não são ouvidos pelas autoridades e seguem levando suas demandas, numa tônica do tipo “vocês não têm mais o que fazer?”. Uma realidade que quase todo mundo já deve ter presenciado em algum momento da vida.

Demandas não atendidas para Milton em Nosso Amigo Extraordinário
Milton é insistente, mas ninguém na cidade lhe ouve.

Para além disso, as rotinas de Milton passam a ter uma quase imperceptível falha na memória. Ele começa a trocar pequenas coisas e a pressão da filha Denise (Zoe Winters, de Succession) por consultar especialistas passa a ser um grande incômodo. E aqui, novamente na simplicidade e inocência das ações, conseguimos nos conectar aos personagens. A filha com sua vida interfere na rotina do pai, que, já cheio de vícios, passa a achar que qualquer esforço fora de sua rotina seja um grande incômodo. Outro clássico da vida tradicional.

Mas é nessa inocência dos personagens da melhor idade que o filme cresce. Já não sendo amparados com seriedade na Câmara desde sempre, Milton acaba por incinerar toda e qualquer possibilidade de serem ouvidos ao relatar que um OVNI caiu no seu quinta e amassou todo o canteiro de azaleias. Sandy e Joyce se irritam com o colega. “Agora nunca mais seremos ouvidos!”, dizem elas. E não deixam de ter razão. O problema é que, como o filme já sugere, Milton está falando a verdade.

Um alienígena em casa

Com um novo amigo extraterrestre habitando sua casa (sem qualquer apelo ou necessidade de formular um personagem visualmente extraordinário, o filme tem um orçamento bem baixo) tudo começa a mudar. Com o novo amigo, batizado como “Jules” (Jade Quon) por Sandy, os três passam a ter o que não tinham há muito tempo: um bom ouvinte para suas histórias e demandas.

Nosso Amigo Extraordinário
Ops, tem um alienígena no meu quintal.

Parece coisa de louco, mas isso é parte fundamental na vida em sociedade. A medida que vamos escondendo nossos idosos ou deixando eles de lado, pouco ouvindo suas queixas, eles vão se tornando invisíveis. Tão invisíveis que os três passam dias sem levantar qualquer suspeita por ter um ser de outro planeta dentro de casa e consertando sua nave no quintal. É claro, que algum grau de suspensão de descrença precisamos acionar em nossas mentes, mas isso não afeta a experiência, que tem seus grandes momentos antes mesmo do desfecho.

Amparado na inocência que se assemelha a questões quase infantis, mas puramente verdadeiras, Nosso Amigo Extraordinário acerta em sua proposta e nos traz o que de mais interessante os filmes podem nos trazer: a reflexão por coisas simples, mas essenciais. Coisas que, assim como a sociedade em geral faz com seus idosos, ficam invisíveis nas rotinas e nos corres diários.

Longe dos holofotes, Nosso Amigo Extraordinário é o filme básico e bom, onde recursos (ou a falta deles) pouco importam. O que importa mesmo é se sentir amparado e contemplado ao subir dos créditos finais. E nisso, Ben Kingsley e suas amigas fazem com todo louvor.

Em tempo: a trilha sonora é outro ponto alto e foi toda feita pelo pianista Volker Bertelmann, vencedor do Oscar do ano passado por seu trabalho em Nada de novo no Front.

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