CríticaFilmes

Doutor Sono é a continuação de O Iluminado, mas é outro filme | Crítica

Bem-vindo a mais um filme baseado na obra de Stephen King. Doutor Sono, como você já deve saber, é a continuação de O Iluminado, adaptação de 1980 que levou a assinatura do mestre do cinema Stanley Kubrick para a obra do escritor mais onipresente da cultura pop contemporânea. Doutor Sono resgata o personagem Danny Torrance, 40 anos depois de sua passagem pelo famoso Hotel Overlook. E se você chegou até aqui sem saber quem é Danny ou Hotel Overlook, talvez seja melhor assistir O Iluminado antes. Não que a nova produção, assinada agora por Mike Flanagan da brilhante série “A Maldição da Residência Hill” e de “Jogo Perigoso” (também de Stephen King, vejam só) não possa ser consumida sem o background do clássico, mas, assim como ocorre na série Watchmen, você com certeza estará perdendo e muito da essência de tudo. Por outro lado, se sua vida cinéfila ainda não lhe deu a oportunidade de assistir “O Iluminado”, a desculpa acabou agora.

Feita a introdução, é também importante dizer aos iniciados, que Doutor Sono é outro filme. Embora tenhamos todo o espírito da história anterior, aqui vamos sair de uma história sufocante para uma trama que vai mesclar thriller, terror, ação e uma boa dose de poderes paranormais. E essa mistura toda, acaba parecendo muito o que a Netflix faz em suas produções: séries e filmes guiados por algoritmos, que acabam formando produtos bem genéricos. A diferença é claro, será a qualidade cinematográfica e o nível dos atores envolvidos: Ewan McGregor é Danny Torrance; Rebecca Ferguson (Missão Impossível) é Rosie, e Kyliegh Curran é Abra Stone e Emily Alyn Lind é Andi. Temos ainda uma ponta do menino Jacob Trembley (Extraordinário) que vai com certeza chocar a audiência.

Você lembra disso tudo, não é mesmo?

Isso tudo ocorre não por culpa da direção ou da produção, mas sim da própria história. Stephen King cria em Doutor Sono outra atmosfera, que jogada para a telona, lembra uma mescla de poderes mutantes com dons sobrenaturais, nos tirando da crueza e loucura vista em O Iluminado. Logo de cara vemos que o filme destoa, com a apresentação do núcleo da vilã Rosie, que cumpre perfeitamente a missão de ser uma antagonista que o espectador vai “amar odiar”. Temos ainda a recriação de muitas cenas de O Iluminado. Voltamos a ver Danny e seu triciclo no Hotel Overlook e aquelas cenas incômodas que nos remetem a sensação de vazio e isolamento. A introdução se faz necessária e nela os mais saudosistas vão sentir aquele arrepio. Uma sensação que só a nostalgia nos permite. Alguns dirão que é “fan service”, no entanto, tudo funciona em prol da narrativa. O novo Danny (Roger Dale Floyd) e sua mãe Wendy (Alex Essoe) espantam pela semelhança com Danny Lloyd e Shelley Duvall, assim como o novo Hallorann, agora vivido por Carl Lumbly. Tudo no lugar. Depois da explicação, entramos em um filme diferente.

Rebecca Fergusson é Rosie, e terá a companhia de seus amigos ciganos

Danny não teve uma boa vida. E só depois de muito tempo descobre que há outros “iluminados”. Ele é alcoólatra, e algumas cenas vão até nos lembrar o seu papel em Trainspotting (seria proposital?). O filme começa a apresentar três núcleos diferentes da história, que parecem bem heterogêneos. Como tudo aquilo vai se entrelaçar? É claro que a gente descobre, mas só depois de algumas situações que vão causar bastante estranhamento. E quando compramos a ideia de outro filme, outra história, as coisas parecem fluir melhor. Em determinado momento, é melhor esquecer “O Iluminado” de uma vez. Danny terá um arco de superação, da vida, e também de seu vício em bebidas. E de quebra, vai descobrir que o grupo liderado por Rosie vive há mais de uma centena de anos vagando pelo mundo se alimentando da essência de outros iluminados. Aí temos mais poderes mentais, com um quase vampirismo pela sobrevivência desse grupo. É quando a jovem, e também “iluminada”, Abra começa a se destacar.

A jovem Abra também vai percorrer alguns lugares conhecidos

Entre a mescla de ação e thriller de perseguição, vemos as jogadas que lembram as lutas mentais do Professor Xavier, de X-Men. Aqui o ponto alto ficam com as transições bem feitas pelo diretor Mike Flanagan (assim como já tinha feito em A Maldição da Residência Hill), o que pode compensar a falta de sustos.

Mike Flanagan dirigindo uma cena bem inusitada de Doutor Sono

O retorno ao Hotel Overlook nos garante vários cenários conhecidos no filme de Stanley Kubrick. É uma sensação gostosa ver como tudo ficou depois de anos e relembrar alguns dos personagens que já apareceram por lá e já nos garantiram cenas icônicas do cinema (e hoje em dia até mesmo memes). Embora a reconstrução seja muito boa, fica claro que a maioria delas se amparou de recursos digitais. E é no Hotel Overlook que teremos as cenas mais incríveis do filme. A viagem de volta ao mundo de Stephen King imortalizada por Stanley Kubrick é realmente incrível. Mas a balança pende para baixo em função da nova história e as escolhas que nos levaram até lá. Doutor Sono é incrível, mas na maioria das vezes, só quando habita o que já vimos em O Iluminado.

A Vigília Recomenda. Mas assista O Iluminado antes para ter uma imersão completa.

Veredito da Vigilia

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *