Death Note: Quando a censura acontece por ignorância
No dia 17 de outubro, durante o programa Domingo Espetacular, da Record, o mundo dos animes foi pauta de uma reportagem sobre os perigos da exposição de crianças a conteúdos violentos. Mais especificamente, a matéria exibida alertava sobre a franquia Death Note, criada por Tsugumi Ohba e publicada entre 2003 e 2006, no Japão. Mais tarde tivemos o anime e os live-actions orientais e ocidentais (sim, estou falando do filme da Netflix).
A pauta da reportagem surgiu após uma mãe procurar os coordenadores da “Força Teen Universal”, Walber e Patrícia Barboza, depois de ver que seu nome estava escrito no caderno Death Note, que ela mesma havia comprado para a filha. Veja, na história FICTÍCIA, se alguém tem o nome escrito no Death Note, essa pessoa morre. Essa mãe, aparentemente, não sabia o que estava comprando para a criança, e quando descobriu do que se tratava, foi buscar “ajuda” nesse grupo que trabalha com jovens entre 11 e 14 anos.

A partir daí, a reportagem convida psicólogos, psicoterapeutas, advogados, sociólogos e nos mostra a rotina de várias famílias que controlam o conteúdo consumido pelos seus filhos. Porém, em nenhum momento temos a presença de algum entendedor de animes ou qualquer tipo de produção oriental para explicar a moral de Death Note.

Até mesmo o Ministro da Justiça, Anderson Torres, aparece dando o seu depoimento. Outro político a se manifestar sobre o assunto foi o deputado estadual, representante do partido Republicanos, Altair Moraes, que ingressou com um Projeto de Lei para regularizar a faixa-etária de produtos como esse, para que os pais saibam se podem ou não dar um “Caderno da Morte” de presente para as crianças.

Claro, exemplos ruins sobre pessoas que interpretaram de maneira equivocada a mensagem de Death Note também foram exibidas na reportagem, mostrando apenas os países onde o anime foi censurado.
Porém, aparentemente ninguém que deu a sua contribuição para essa matéria exibida na Record assistiu o anime até o fim. Se tivesse feito isso, (ALERTA DE SPOILER), saberiam que ao longo da série, Light Yagami vai se desumanizando, deixando a sua ambição em se tornar o “deus do novo mundo” subir a sua cabeça, ao ponto que ele morre no final da história. É como a célebre frase atribuída a Nicolau Maquiavel, “Dê poder ao homem e descobrirá quem ele é”.

Light é na verdade o protagonista e verdadeiro vilão da história de Death Note. Repito, se você assistir até o final, vai perceber isso. Claro, a reportagem da Record alertou que, mesmo tendo uma classificação etária elevada, ele pode ser nocivo até mesmo para os adultos que não o compreenderem. É por isso que no Japão os animes tem gêneros distintos, deixando bem claro para qual público alvo aquela obra é voltada. Death Note oscila entre o Seinen (destinada a publico adulto masculino) e Shonen (ao publico adolescente masculino).

Mas aqui no Brasil, colocar tudo no mesmo balaio fez com que animes com decapitações, amputações, mamilos e muito sangue fossem exibidos nos horários matinais, como aconteceu nos anos 90, na extinta TV Manchete e seu U.S. Mangá. Depois disso, as televisões começaram a prestar mais atenção no conteúdo das obras vindas do Japão, não achando que tudo é “desenho animado”.
Mesmo assim, ao longo dos anos a ignorância vem censurando algumas obras que são mal interpretadas por um grupo de pessoas que demoniza tudo o que não compreende. Exemplo disso foi a segunda temporada de Yu-Gi-Oh, que não foi exibida no Brasil graças ao programa Gilberto Barros, em 2003, dedicando vários dias de seu programa para denunciar o “Baralho do Diabo”.

Voltando pra onde tudo começou. Se uma filha, que “entendeu” a dinâmica do caderno do anime e escreveu o nome da mãe, não seria melhor entender o porquê da menina ter feito isso, ao invés de simplesmente censurar ou mandar de volta para o pai, como foi dito na reportagem? Seria uma ótima oportunidade para qualquer um que fosse o exemplo, de procurar compreender o que se passa na mente desses jovens, que, possivelmente, estão utilizando o Death Note como uma válvula de escape, ou até mesmo uma denúncia velada de algo que está acontecendo com elas, mas não têm coragem para procurar ajuda.

Claro, existem os exemplos ruins, como citados na reportagem e aqui no texto. Então tudo é uma questão de observar com mais atenção esses desabafos… eles podem estar querendo nos contar algo! Mas, infelizmente, o que acontece tradicionalmente é ver adultos tirando suas próprias conclusões, antes de analisar todo o contexto. Contexto este que a Record desconsiderou, quando não assistiu até o fim ou deixou de chamar alguém que compreende a obra para falar. E vamos combinar, isso é preceito básico do Jornalismo: ouvir os dois (ou mais diversos) lados de determinada pauta ou assunto. Será que faltam jornalistas por lá?

Seria o mesmo que você ir ao cinema para ver o filme do Coringa, de 2019, e sair antes da parte em que ele dá um tiro na cabeça do apresentador, interpretado por Robert de Niro. Aquele momento é o ponto de virada, para lembrarmos que estamos consumindo uma obra sobre um vilão. Como o longa humaniza o personagem vivido por Joaquim Phoenix, muitos torcem por ele, mas esquecem que ele é o antagonista, e está longe de ser o mocinho.