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Veneza, de Miguel Falabella, é teatral e objetificador

Para uma mulher, escrever sobre Veneza não é uma tarefa fácil. O novo longa de Miguel Falabella, que passou pelo no Festival de Cinema de Gramado (assistimos em 2019), traz teatro e imaginação às cenas, mas embrulha o estômago de nós mulheres.

Baseado na peça Venecia, do escritor argentino Jorge Accame, o filme conta a história de Gringa, vivida por Carmen Maura, uma dona de um bordel longe de São Paulo, que já está cega e doente, mas que ainda quer conhecer Veneza e reencontrar seu grande amor, antes de morrer. É aí que entra a união entre uma trupe circense e as meninas do bordel, que se unem para proporcionar uma viagem imaginária à Veneza.

Apesar do diretor declarar que a personagem da Gringa é “uma mulher que, na velhice e na cegueira, percebe que foi cruel com o único homem que a amou”, podemos apontar aí a primeira desumanização da mulher. Giacomo (Magno Bandarz) é um italiano que conhece a jovem Gringa em um bordel e ambos se apaixonam. Giacomo então pede a mão de Gringa em casamento, mas logo ela descobre que ele pagou uma quantia de dinheiro para poder casar com ela. Ou seja, ele comprou a moça da antiga cafetina. O que o diretor trata como crueldade por parte da Gringa, podemos chamar de tráfico de pessoa ou escravidão.

Essa desumanização segue durante quase todos os atos do filme, salvo o final. As mulheres, que são prostitutas, deixam de ser humanas para virarem apenas o pagamento por trabalhos. É assim que elas recompensam Tonho (Eduardo Moscovis), que também mora na casa e resolve pendências para elas. E, quando ele resolve algo, todas as meninas precisam pagar com sexo.

Para que a derradeira viagem imaginária aconteça, as meninas também são usadas em troca do serviço da trupe de circo. Rita, personagem de Dira Paes, é uma das prostitutas mais antigas e mais velhas da casa, que acaba tomando o lugar de Gringa na gerência. Para pagar pelo espetáculo que se torna a viagem, ela oferece os serviços das prostitutas da casa durante quinze dias. É o escambo, que troca uma mercadoria por outro e, nesse caso, a mercadoria são as mulheres. 

A violência de contra LGBTQI+ também está presente neste filme. Julio (Caio Manhente) é apaixonado pela prostituta Madalena (Carol Castro) e seu pai que o leva para visitá-la. Mas ele não sabe que o sonho do menino é fugir pra São Paulo com Madalena e se travestir. Ele descobre em uma cena muito difícil de ser assistida.

A Junção de circo, teatro e cinema

O filme começa a mudar quando começa a fictícia viagem até Veneza. O teatro é aliado da imaginação e a partir daí, temos belas imagens de encantamento para quem gosta dos palcos. A arte circense, os elementos de teatro e uma boa atuação de Dira Paes, Eduardo Moscovis e Carmen Maura fazem um ato final que encanta, mas não apaga tudo o que a gente viu antes. Doeu assistir Veneza. Por mais bonito que tenha sido o final, é difícil ver tantas cenas de objetificação das mulheres. É difícil entender que em 2019 (e agora 2021, ano de lançamento do filme) ainda precisamos dizer que mulheres não são mercadoria, não são lixo, que merecem ser amadas. Gringa não foi cruel, diretor. Gringa apenas não aceitou trocar de dono e decidiu viver com a própria liberdade.

Veredito da Vigilia

Agradecimento pela parceria: Instituto Estadual de Cinema – IECINE

Foto Destaque: Edison Vara/Agência Pressphoto

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