The Flash é divertido, empolgante e quase excessivo!
Agora sim, vamos ao corte final de The Flash! Após todas as polêmicas e mudanças que aconteceram com a Warner Bros. Pictures e o DC Cinematic Universe (DCU), como o encerramento do fatídico Snyderverse, atrasos devido à pandemia, problemas com atores, mudança de board, contratação de James Gunn, entre outros, finalmente The Flash chega às telas do cinema (oficialmente dia 15 de junho). O resultado final é um filme bastante honesto de super-herói, divertido, empolgante, por vezes excessivo e performático, como deve ser, mas acima de tudo, um filme na qual a nostalgia é irônica – ok, ela serve também ao consumo de bonecos e outros merchans – e as múltiplas histórias decorrentes da viagem no tempo do personagem principal.
The Flash é menos didático e não é tão pretensioso como algumas notícias da cultura pop tentaram nos levar a crer – como foi o caso do oscarizado e blasé “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo” (sim, fui das que não gostaram do filme).
O filme brinca com o arco narrativo do personagem, como já acontecera no Flashpoint dos quadrinhos e também no Arrowverse, sendo e não sendo ao mesmo tempo, um filme de origem do super-herói. O diretor argentino Andy Muschietti, assim como Sam Raimi e outros que vêm da linhagem do terror, traz uma energia renovada ao DCU tirando a sisudez e abraçando a fantasia e a aventura que Flash merecia. Muschietti, pra quem não lembra, dirigiu a parte I e II do remake de It de Stephen King.
A dupla de roteiristas Christina Hodson e Joby Harold que fizeram respectivamente Aves de Rapina e No limite de Amanhã (aliás, esse filme também brinca com as possibilidades e repetições do tempo) investiram em metalinguagem e possibilidades que são criativas e ao mesmo tempo fan service (não faltam easter eggs e participações especiais), bem como um humor que é por um lado neurótico e ansioso e por outro não serve de válvula de escape ou alívio a uma situação muito dramática, como no caso das produções da Marvel. É um humor de situações e que manipula e reverbera até mesmo algumas piadas e memes que vemos em circulação nas redes. As tiradas sobre e com Batman e sobre atores de filmes dos anos 1980 servem a essa verve quase absurda e non-sense.
Dito isso, a história não perde muito tempo com firulas explicativas sobre viagens no tempo e sobre o multiverso, afinal é 2023 e já tivemos uma boa dose de produtos culturais – filmes, séries, etc – que tratam disso. A cena do espaguete com Bruce Wayne está entre as mais divertidas explicações sobre linhas temporais, colocando o espectador dentro do (m)olho do caos disparado pela tentativa de mudança dos acontecimentos da vida de Allen.
O roteiro investe na relação entre os personagens, sobretudo entre os dois Barry Allen, o do passado, um jovem, e o do presente, um adulto, interpretados por Ezra Miller (que apesar dos pesares, está muito bem no filme) e com as diferentes versões do Batman/Bruce Wayne (Ben Affleck e Michael Keaton). Ezra acerta na interpretação de ambas as versões de forma bastante cartunesca, no melhor e mais originário sentido da palavra. Keaton nos remete diretamente ao universo batmaníaco de Tim Burton, inclusive em toda sua apoteose de drama kitsch dos gadgets. Confesso que adorei rever alguns deles, afinal existiu toda uma geração que matou aula em 1989 para assistir o Batman desse universo.
A obsessão freudiana da DC com as mães de super-heróis está de volta (cadê as sessões de terapia dos meta-humanos hein DC?), mas de forma muito mais interessante e emotiva do que no flopado caso Martha de Batman vs. Superman. Mesmo que com pouco tempo de tela, temos Nora Allen como uma mãe latina de Barry, falando e cantando em espanhol, embora a atriz Maribel Verdú (de “O Labirinto do Fauno” e “E Sua Mãe Também”), seja madrilenha e não latino-americana. Contradições do mainstream.
A partir da confusão criada por Flash, na tentativa de reconstruir sua narrativa pessoal, se dá o principal embate do filme: a questão do individual versus coletivo e é aí que o fator afetivo mostra a força dos deuses e meta-humanos da DC com seu tom de sacrifício emocional que permeia os personagens. Nesse sentido, temos também a Supergirl (Sasha Calle) recém lidando com seus poderes e tentando compreender as questões morais humanas e kryptonianas.
As cenas de ação e pancadaria em alguns momentos poderiam configurar páginas duplas de HQs – algumas perceptíveis homenagens a George Pérez – e em outras se perdem de uma forma ora aludindo ao videoclipe, ora às lutas de videogame, mas não chegam a prejudicar o andamento do filme. The Flash não vai mudar os rumos do cinema de super-heróis, porém reposiciona a DC e a Warner no mercado cinematográfico do gênero e pode ter um bom apelo com o público juvenil – que no geral adora o jeito desengonçado e falador porém tímido de Barry Allen/Flash – e com o público mais velho que vai “entender as referências”, easter eggs e participações especiais (são muitas em várias linhas do tempo) que conectam o filme a futuras produções do DCU.
Atenção à cena pós-créditos!