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Por que Gilmore Girls ainda mora em nossos corações?

Ok, é fácil começar esse texto explicando todo o apelo por conta da onda de nostalgia que inspirou a tudo que nos cerca nos últimos anos. A década de 1980, por exemplo, nunca esteve tão em alta, com “Dark”, “Stranger Things” e todos os seus grandes sucessos musicais e audiovisuais ganhando novamente os holofotes.

Gilmore Girls, nesse aspecto, tem um ar de nostalgia que nem sabíamos que estávamos precisando. Ou pior, que nem sabíamos que já estávamos em tempo de sentir saudades de algo que, até então, parecia recente, e que surgiu nos anos 2000. Mas né, já são 21 anos!

Para quem assistiu a série na época, muitos outros fatores podem ter influenciado a apaixonite e a nova vontade de maratonar, como os diálogos afiados proporcionados pela dupla Amy Sherman Palladino e Daniel Palladino, casal que produziu e dirigiu a série ao longo dos sete anos (2000-2007). Essa fórmula, de certa forma, se repete, em uma outra década, com uma outra protagonista forte e bem-humorada, a nossa adorada Midge de “A Maravilhosa Sra. Maisel”, produção da Amazon Prime.

Mãe e filha mais amadas da televisão

Dentro desse contexto, o roteiro, realmente, se destaca. Mesmo para os amantes de cinema, como nós, é difícil acompanhar todas as referências mencionadas por Lorelai (Lauren Graham) e Rory (Alexis Bledel) ao longo dos episódios. São muitas séries, filmes e livros mencionados pelas nossas viciadas em café. 

Os motivos pelos quais Gilmore Girls se tornou uma série de destaque, já são muito conhecidos. Mas porque, afinal de contas, até hoje, essa série permanece relevante? Por que, mesmo datada em alguns aspectos, ela continua tendo um espaço muito respeitável e amado em nossos corações?

Nostalgia dentro da nostalgia

Revendo toda a série (inclusive o revival produzido em 2016), consigo tirar algumas ideias a respeito. Novamente, o aspecto nostálgico surge à tona. Logo nos primeiros episódios, parecemos entrar em um túnel do tempo, onde ainda não existem smartphones e as pesquisas no Google são uma novidade. Acompanhar toda essa emergência e explosão de novidades e tecnologias dos anos 2000, de forma prática, é super fascinante, independente da idade que você tenha. Quer você tivesse a idade de Rory (16 anos), o de Lorelai (32), o de Emily (seus cinquenta/sessenta e poucos) ou mesmo mal fosse uma criancinha dos anos 2000, é incrível poder acompanhar todo esse desenvolvimento (e seus impactos nas comunicações) novamente.

Além disso, querendo ou não, como já mencionei anteriormente, as Gilmore Girls, na verdade, eram grandes “nerds”, no nosso entendimento atual da palavra. Seus vícios por cinema e televisão antiga, por exemplo, somados por suas inúmeras referências, tornam elas grandes pioneiras na arte do meme do Capitão América.

Mas, independente de qualquer tecnologia ou nostalgia, Gilmore Girls nos aficciona por um fato muito simples: a vida. Uma cidade pequena, uma comunidade unida e uma família disfuncional, com uma pitada de “vida real” deixam tudo extremamente viciante.

No meio de tanta magia, mundos fantásticos e extraordinários, de criação de romances inalcançáveis, de histórias inatingíveis e de personagens extraordinários, Gilmore Girls nos cerca de um pouco de tudo que já conhecemos, queremos e compreendemos. Uma mãe solo, extremamente focada em sua filha, que é, por sua vez, extremamente dedicada e inteligente, em uma jornada dupla de descobertas pessoais, profissionais e, especialmente, românticas (?!?). Poxa, é a história, de certa forma, de toda garota ou, ao menos de uma prima, vizinha ou amiga.

São sete temporadas muito bem construídas ao longo do ensino médio e faculdade de Rory. Ela busca o seu propósito pessoal, enquanto comete um bom número de deslizes. Encontra outras tantas decepções e quebra uma boa quantidade de corações.

Banho de realidade

E, enquanto achamos que a missão da série “acaba” por aí, levamos um banho de realidade com Lorelai, a mãe devota que, na verdade, sempre está em construção. Quem de nós, uma vez na tal “vida adulta”, seja com um tanto de boletos para pagar, com uma profissão a seguir ou com uma família a criar tem todas as respostas? Bom, nem Lorelai as têm. E, com isso, acabamos entendendo um pouco de tudo o que acontece com cada uma das nossas “Gilmores”.

Cena do revival de 2016, com Kelly Bishop, Lauren Graham e Alexis Bledel

E não podemos deixar Emily (Kelly Bishop, que envelhece com uma graciosidade incrível) de lado. A avó, anciã e responsável pela família é outra, que, na verdade, nunca tem todas as respostas. Ao longo da série, conseguimos acompanhar um pouco do desenvolvimento do relacionamento entre Emily e Lorelai que, pouco a pouco, parece melhorar. Mas, é no revival, nove anos após o final da série, que temos o desenrolar dessa relação. É aí que entendemos que não há idade para aprender, repensar e perdoar.

Com tudo isso voltamos a acreditar na “magia” da coisa. Gilmore Girls, muito além das personagens que carregam o sobrenome da série, traz personagens reais, com situações reais, mesmo que amenizadas para um formato mais “água com açúcar”. Simpatizamos e acabamos amando cada personagem e suas jornadas individuais, como Lane (Keiko Agena), Mrs. Kim (Emily Kuroda), Luke (Scott Patterson), Christopher (David Sutcliffe), Richard (Edward Herrmann), Jess (Milo Ventimiglia) e Logan (Matt Czuchry). E mesmo nesse formato, com um grande número de personagens secundários que parecem se encaixar única e exclusivamente para o desenvolvimento das personagens principais, acabamos “passando pano” para essa questão, uma vez que esse é somente o ponto de vista da história, dado pelas Gilmores. Sabemos que há muito mais por debaixo de cada um daqueles tapetes.

A série vai muito além do que a relação mãe e filha, vai na desconstrução da presença paterna, da importância de múltiplas influências na criação de uma jovem, na importância de construir uma rede de apoio capaz de suprir a necessidade de uma criança, na relevância de uma relação com uma comunicação ativa, no dia a dia e lado a lado.

Correndo o risco de super analisar uma série “de domingo”, confesso que GG trouxe, ao longo das temporadas, diversos questionamentos.

Quem, afinal de contas, somos? Apenas um reflexo de nossas famílias ou um retrato da nossa individualidade? O que, na verdade, é sucesso? O quanto dinheiro tem a ver com tudo isso? O que é amor verdadeiro?

De forma individual, tudo isso me ganha. Minha relação única com a minha mãe, minha idade similar com a de Rory e minha paixão por referências inalcançáveis que parecem bater à porta neste momento. Mas creio que, independente da situação familiar/profissional/amorosa em que qualquer um se encontre, há inúmeras formas de se conectar com as diversas questões que surgem na série.

Gilmore Girls conquista pela simplicidade, como uma xícara de café, com essa busca constante por ser mais e melhor, por ser quem, de verdade, queremos ser. 

Gilmore Girls está em “sentir cheiro de neve”, quer isso signifique, para você, observar o pôr-do-sol, curtir o cheiro de grama molhada ou sentir umas boas risadas.

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