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O Pastor e o Guerrilheiro costura o passado mirando no nosso futuro

A quarta noite do 50º Festival de Cinema de Gramado foi marcada por uma grandiosa premiere. Pela primeira vez o longa “O Pastor e o Guerrilheiro” foi exibido ao público, trazendo um combo que mescla uma excelente costura de personagens, um roteiro talentoso e atuações de alto nível. Mas, para além disso, o longa dirigido por José Eduardo Belmonte carrega consigo uma mensagem forte. E se para bons entendedores meia palavra basta… então com frases e diálogos completos, elas terão ainda mais impacto.

É importante destacar que esta edição do Festival de Gramado, dois anos após eventos híbridos (ou praticamente online) parece estar toda em grande nível. A vontade e a saudade de participantes e organização em celebrar o cinema parece transparecer em cada um dos locais onde o evento é realizado. Mas acima de tudo, este alto nível está sendo visto na tela grande do Palácio dos Festivais.

Com o Distrito Federal como pano de fundo, “O Pastor e o Guerrilheiro” conta histórias do passado e do “presente” sendo apresentadas em uma interessante costura. Na década de 70, vemos os movimentos que buscavam a volta da democracia sendo acachapados pelos coronéis da Ditadura Militar. Grupos revolucionários são apresentados, recontando um pouco da nossa história e dramatizando o que foi a Guerrilha do Araguaia. É onde vemos João/Miguel, vivido por Johnny Massaro (excelente no papel), tentando se estabelecer no grupo que buscava a “revolução social”. Encontrado na mata, após perder seu grupo e companheira, ele passa a ser torturado por um cruel Coronel. No cárcere, ele conhece Zaqueu, um pastor preso por engano (ou seria pela cor da sua pele?), também grandiosamente vivido por César Mello.

Dos anos 70, para a virada do milênio

Já no final da década de 90, na tão aguardada virada do milênio, vemos um núcleo diferente. Juliana (Julia Dalavia) é uma estudante engajada da Universidade de Brasília. Com dificuldades financeiras, ela reluta em aceitar uma herança do pai que nunca ou pouco se relacionou. Sua consciência política não a deixa receber algo que foi conquistado por um, veja só, coronel que cometeu barbáries durante a Ditadura Militar. A situação complica ainda mais quando ela percebe que sua avó (Cássia Kis) poderia se beneficiar, afinal, ela sofre com expressivos problemas de saúde. Também na mesma época, encerrando os núcleos principais, vemos Zaqueu com dois filhos (interpretados por Gabriela Correa e William Costa). Ele, agora, um pastor bem sucedido, mas que reluta em reconhecer o passado e se deixar abraçar pela evolução do mundo e ideais dos filhos.

Festival de Gramado: elenco e equipe do filme O Pastor e o Guerrilheiro
50º Festival de Cinema de Gramado: Elenco do longa “O Pastor e o Guerrilheiro” | Foto: Cleiton Thiele/Agência Pressphoto

Com as cartas na mesa, Belmonte faz uma costura sem pressa e interessante. O vai-e-vém entre passado e presente é uma brincadeira bem conduzida. Alguns momentos até poderiam ficar de fora do corte final, mas isso não chega a ser um grande problema. 

É no tom político e na mensagem principal, no entanto, que “O Pastor e o Guerrilheiro” brilha. São dois ou três diálogos bem expositivos que nos apontam em forma de metáforas (ora de sermão bíblico, ora nas linhas de conversa entre dois encarcerados) o buraco em que o Brasil foi cair. “Um sábio simples salvou a aldeia” e “só precisamos de um diabo na pele de messias para acabar com tudo que era bom” (não necessariamente nessas palavras) são mostras criativas de como se dar o recado. E o fato de usar elementos como presos, pastores e coronéis, deixa o texto ainda mais impressionante. O argumento todo foi baseado na impressionante literatura existente sobre os sobreviventes e combatentes no Araguaia, mostrando ainda situações que orbitam pautas discutidas até hoje, como cotas raciais, fé, a importância dos movimentos estudantis e a ebulição da igreja evangélica no Brasil.

Com toda carga envolvida, “O Pastor e o Guerrilheiro” também nos remete à importância da nossa história recente e a sua manutenção. Mais do que nunca, relembrar é viver. E preservar é preciso.

Veredito da Vigilia

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