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Matchday: Inside FC Barcelona mostra como o futebol pode ser uma montanha-russa

Existem astros do esporte, que, mesmo que você não aprecie a modalidade, ainda assim é fisgado para assistir um lance ou outro desse craque. Dentro dessa ideia podemos citar Michael Jordan no Basquete, Muhammad Ali no Boxe, Ayrton Senna na Fórmula 1 e Lionel Messi no futebol. O atacante do Barcelona e da Seleção Argentina faz (corriqueiramente) com que muitas pessoas parem o que estão fazendo em suas vidas para acompanhá-lo. O caso mais recente foi na série documental da Netflix produzida pela Barça Studios em parceria com Kosmos Studios e Producciones del Barrio, intitulada Matchday: Inside FC Barcelona.

Na série, dividida em oito episódios, temos a rotina não só do craque Messi, mas de todo o Barcelona, com seus jogadores, comissão técnica, torcedores e simpatizantes e de como a temporada 2018/2019 foi do Céu ao Inferno em pouco tempo. Uma verdadeira montanha-russa.

Na série documental acompanhamos os bastidores dos craques do Barça

Os episódios são tão bem roteirizados e dirigidos, que vamos muito além do dia-a-dia de um jogador de futebol profissional. Personagens são inseridos de maneira que cada capítulo tenha uma característica própria, como um torcedor de baixa visão que não ia ao Camp Nou há muito tempo; um garoto que salvou a sua turma de um atentado em uma escola dos Estados Unidos; um jogador da NBA; um youtuber russo; padres que são torcedores do Barça e um fotógrafo amigo do técnico Ernesto Valverde são só alguns dos motivos que tornam Matchday um documentário sobre futebol que fala muito mais do que apenas de futebol. Porém, o maior charme da série é a narração dos episódios feita pelo ator John Malkovich (Bird Box). 

Mesmo com essas peculiaridades, obviamente ainda estamos falando do FC Barcelona. E para isso temos espaço reservado para falar dos clássicos que acontecem a cada temporada na “La Liga”, o Campeonato Espanhol. Como relata o próprio Valverde em Matchday “se os clássicos não existissem, nós os inventariamos”. E são nesses embates que vemos como em 2018/2019 o Barça foi superior aos seus adversários, derrotando o Real Madrid na semifinal da Copa do Rey, e o Atlético de Madrid e o seu eterno rival da Catalunha, o Espanyol. 

O clássico contra o Espanyol vai extrapolar as quatro linhas

Contudo, também falamos que no documentário veríamos o Barcelona ir do Céu ao Inferno. Isso porque mesmo sendo o campeão da La Liga, o time de Messi e cia sofreu um golpe muito duro na Champions League. Depois de despachar o Manchester United e quebrar dois tabus: passar para das quartas de finais depois de três anos e vencer os Diabos Vermelhos no Old Trafford, o time espanhol conseguiu quebrar outro tabu, só que de maneira negativa. 

Messi foi caçado no Old Trafford

Após um impressionante 3 a 0, em casa, para cima do Liverpool, todas as fichas colocavam o FC Barcelona na final para enfrentar Tottenham ou Ajax, dois times que estavam surpreendendo na competição. Entretanto, jogar no Anfield Road, com uma torcida apaixonada cantando sem parar durante mais de 90 minutos o clássico “You’’ll Never Walk Alone”, pareceu trazer de volta o tão temido “Fantasma de Roma”, que fez os blaugrana caírem fora da competição em 2017/2018 para o time da Itália. E não deu outra, um incrível 4 a 0 (nunca um placar vencido por uma diferença de três gols havia sido revertido em um jogo de volta de uma semi) foi imposto pelo Liverpool, fazendo com que mais tarde, os comandados de Jürgen Klopp conquistassem a tão sonhada orelhuda (a taça da Champions) novamente. 

Depois desse 3×0 ninguém imaginaria uma virada do Liverpool

Ainda falando sobre essa partida, o documentário consegue ser magistral, mostrando o pós-jogo, no qual os jogadores entram no vestiário e não conseguem falar uma palavra sequer. O silêncio é utilizado de maneira certeira, só sendo quebrado pelo relato do goleiro Marc-Andre Ter Stegen, que confessa as câmeras que o seu desejo era sumir. O outro revês que o Barcelona sofreria no final da temporada seria perder a Copa do Rey para o Valência, aumentando ainda mais esse período conturbado.

O silêncio imperou no vestiário depois dois 4×0

Sobre o aspecto emocional dos jogadores, o documentário é muito bem-sucedido, detalhando bastidores das casas e lazeres de cada um. A amizade de Messi e Luiz Suárez é muito verdadeira e é refletida em campo. Os “paizões” Gerard Piqué e Arturo Vidal também demonstram o lado humano do futebol. O companheirismo entre os goleiros Ter Stegen e Jasper Cillessen e o exemplo de como sair do Barça B para brilhar no time titular que Sergi Roberto dá para Carles Aleñá faz com que você se afeiçoe mais a cada história. Porém, nem tudo são flores. Os dramas de um craque fazem com que o mundo do futebol seja injusto em alguns casos. 

Ter Stegen é um dos líderes do atual Barcelona

O meia Rafinha Alcântara por exemplo. Na temporada retratada vimos que o irmão de Thiago Alcântara teve o seu desempenho prejudicado pelas lesões, fazendo com que perdesse espaço no time. O que é refletido em mais um empréstimo em 2019/2020 (Rafinha defende o Celta de Vigo atualmente). Outro brasileiro que não foi bem e inclusive é um dos assuntos da série é Philippe Coutinho. Na época em que o meia da Seleção Brasileira se transferiu do Liverpool para o Barça, o seu alto valor (sendo a transação mais cara do clube na época) compensaria nos gramados. No entanto, parece que Coutinho não se adaptou ao time de Valverde, fazendo todos sentirem saudades de Neymar. Coutinho acabou sendo emprestado ao Bayern de Munique.

Coutinho: trocou o título da Champions com o Liverpool pelo Barça, mas não se adaptou.

Mas de todas as histórias, as duas que mais tocam os telespectador que acompanha o Barcelona atualmente são as de Malcom e Aleñá. A primeira apresenta – infelizmente – o clichê do jogador brasileiro. De família humilde, sua avó vendia panelas para conseguir dinheiro para se alimentarem após os treinamentos. Outro drama são de seus amigos que iniciaram jogando bola com ele quando era pequeno. Segundo o próprio Malcom, muitos estão presos ou mortos. Mas tem mais. É ainda mais triste ver que o atleta teve grande presença na temporada, e mesmo não sendo titular, contribuiu positivamente para o time, inclusive marcando um gol contra o Real Madrid. Mesmo assim, o Barcelona o cedeu para o Zenit da Rússia, um clube com uma torcida organizada racista, o que provocou um pouco de resistência do jogador assim que chegou lá. Atualmente o atacante afirmou ao jornal Marca da Espanha que estava feliz e que sua saída do clube foi porque queria mais minutos em campo. 

Mesmo com um temporada satisfatória, Malcom não permaneceu no Barcelona

Já a história de Aleñá é outro clichê. Só que dentro das tradições do próprio Barcelona. O meia iniciou muito cedo nas categorias de base do clube da Catalunha, sendo titular e capitão em todas essas categorias, até chegar ao Barça B. Até que enfim, o técnico da equipe principal o convocou para subir e passar a atuar na equipe principal. Só que o destino costuma pregar peças e em seu último jogo pelo time B, o espanhol se contundiu e precisou passar por uma cirurgia, adiando o seu sonho tão próximo. Depois de se recuperar e retornar ao time de transição, Aleñá teve um bom desempenho e logo ganhou uma nova oportunidade de dividir o vestiário com os craques do time principal. A série mostra isso, o seu primeiro ano no time de cima. A história termina triste, pois o jogador foi emprestado ao Real Bétis, já que perdeu espaço no time com a chegada de Frenkie De Jong. Depois de ver as cobranças do pai, ex-jogador, dos conselhos dos jogadores mais experientes e de um exemplo recente de como ele poderia um dia se tornar tão importante quanto Sergi Roberto está sendo, você fica um pouco chateado com o atual momento do jogador, que poderia seguir os mesmos passos de Puyol, Xavi e Iniesta, craques que marcaram a história do Barça. 

Com a chegada de De Jong, Aleñá teve o seu “tapete puxado

Matchday: Inside FC Barcelona é uma ótima pedida para os fãs de esportes e principalmente para os apreciadores do futebol do Barça. O jeito como os jogos são retratados, passando uma forte emoção, mesmo você sabendo como terminou a partida, faz com que você viva aquilo como um torcedor na arquibancada. Sem falar nos detalhes de como funciona um grande clube de futebol e de toda a infraestrutura que uma partida demanda. Mas com certeza, o trunfo da série é conseguir fazer você se afeiçoar com os personagens, mérito do roteiro, que soube transformar atletas em protagonistas cativantes. 

Veredito da Vigilia

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