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Master of None: a dificuldade de encarar a vida adulta | Setembro Amarelo

“Bem-vinda ao mundo real. É uma droga. Você vai amar”, diz Monica Geller à Rachel Green no primeiro episódio de Friends, quando a vida de Rachel tem uma mudança brusca e ela se depara com a vida adulta. Crescer não é fácil. Depois de enfrentarmos os conflitos da adolescência, o início da idade adulta não deveria assustar tanto. Mas assusta e assusta muito. Afinal, é o momento em que devemos começar a caminhar pelas nossas pernas e ficarmos responsáveis pelas nossas escolhas, pelas nossas consultas médicas e pelos nossos boletos. 

Não se compare!

Em Master Of None também vemos tudo isso. Temos a tentativa, praticamente frustrada, de Dev (Aziz Ansari) de se tornar um adulto. Acompanhado de Arnold (Eric Wareheim), o personagem claramente não se encontrou na vida adulta, diferente dos seus amigos, que já são casados e têm filhos. Diversas vezes, Dev se compara aos seus pais, que na idade dele, já tinham uma vida estruturada, tendo, inclusive, uma certa inveja dos amigos, das ex-namoradas, e de todos à sua volta que já realizaram grandes coisas na vida. Ver isso causa frustração no personagem.

Alguns amigos estão casando, enquanto outros…

Afinal, como lidar com esse sentimento e tentar levar a vida mais leve, sem projeções? O psicólogo Luiz Mateus Pacheco ajuda a entender. “Costumo argumentar com meus pacientes que, quando a gente olha demais para o outro, a sensação é que a gente desaparece. Esse não é um processo fácil de voltar a olhar para si mesmo, mas é um exercício necessário. Além do mais, a diferença pode ter um saldo positivo. Vale também prestar atenção na ilusão da felicidade absoluta, tão presente nas redes sociais, e que é uma mentira”.

Adolescência mais longa e dificuldade de crescer

Sair da adolescência e encarar o mundo de frente é difícil, mas será que a adolescência está durando mais? O psicólogo argumenta que sim. “Discute-se, inclusive, uma extensão da adolescência. A primeira coisa a se pensar é que a adolescência é uma invenção: ela não existiu sempre. As formas como nós, enquanto sociedade, passamos pela vida e desenvolvemos formas de subjetividade recebe grande influência da cultura. No nosso caso, o culto à juventude pode ser um dos grandes responsáveis”, explica.

Brincar de ser adulto nem sempre é legal.

Então, com a adolescência durando cada vez mais, vemos jovens ficarem cada vez mais vivendo na casa dos pais ou sem assumir as responsabilidades da vida adulta, como em Master Of None. Os fatores sociais podem influenciar, como a dificuldade de se estabelecer em um emprego que te possibilite pagar todas as contas, assim como Dev, que está patinando em sua carreira de ator. Mas, a culpa materna e paterna também pode ter grande influência. “O que venho observado na clínica é que, como cada vez mais os pais passam tempo fora trabalhando e/ou estudando, tem dificuldade de frustrar os filhos. Como o tempo é curto, querem ser apenas pais ‘bons’ durante aquele período. Isso tem dificultado o amadurecimento desses filhos. Além disso, fica uma espécie de dívida de presença. Os pais não querem que os filhos saiam de casa porque ainda têm necessidade de serem pais e esses filhos, por sua vez, ainda precisam ser filhos”, argumenta Pacheco.

Essa dificuldade de amadurecer influencia na dificuldade de assumir as responsabilidades da vida adulta. Dev demonstra isso quando vai morar com Rachel. Mas existem maneiras de enfrentar isso com mais tranquilidade. Inclusive, com o apoio dos pais. “Não há uma fórmula que possa servir para todo mundo, mas, certamente, o apoio pode ser um fator importante. E por apoio não quero dizer superproteção, mas uma espécie de companhia e amparo, inclusive com uma certa tolerância a pequenos fracassos, comuns e importantes no processo de amadurecimento”, explica o psicólogo.

Síndrome de Peter Pan. O que é isso?

Para algumas pessoas, crescer é mais difícil.

Na segunda temporada de Master Of None, Dev decide ir para Itália e aprender a cozinhar, fugir da realidade que o assustava e o colocava diante das dificuldades da vida. A constante busca pelo seu lugar no mundo e a dificuldade imensa de crescer, nos mostra que algumas pessoas têm mais dificuldade que outras de se tornarem adultos. Isso pode se chamar Síndrome de Peter Pan.

A Síndrome de Peter Pan é uma espécie de paralisia do amadurecimento ou uma impossibilidade disso, explica o psicólogo. “Enquanto cada um amadurece em seu próprio tempo e não há nada de errado com isso, a recusa de amadurecer e tolerar a frustração, bem como as responsabilidades que se somam nesse processo, pode também ser uma causa de sofrimento”, complementa. “Em casos muito extremos, os eternos adolescentes podem não desenvolver autonomia suficiente para viver sem os pais, passando a viver como uma extensão destes. E quando eles se forem?”, questiona Pacheco.

Síndrome de Cinderela e a frustrada busca pelo príncipe encantado

O príncipe encantado não existe.

Outro tipo de frustração é querer viver em uma vida de conto de fadas. E tem até nome para isso, Síndrome de Cinderela, em que idealizamos uma vida perfeita, sem problemas, mas que na realidade, não acontece para ninguém. As projeções feitas por nós acabam apenas atrapalhando ainda mais o amadurecimento. Principalmente as mulheres, que crescem com a idealização de príncipe encantado, podem sofrer desta síndrome, querendo ser resgatadas por um príncipe de cavalo branco e irem morar em um castelo, porém, nada é tão simples como se imagina, como explica o psicólogo.

“Gosto de pensar no que o filósofo Yann Dall’Aglio argumenta: ‘vivemos uma falência das nossas instituições’. Para citar Bauman, nossa sociedade se tornou uma sociedade líquida. Nada é estável numa sociedade líquida. Você pode perder seu emprego, seu carro, etc. Temos dificuldades de situar alguma segurança. Por isso, temos uma tendência a superestimar as relações como uma espécie de porto seguro, chegando, inclusive, a depender destas. Fora que num cenário onde tudo é resolvido com excesso de cuidado, a solução pode ser sempre recorrer ao outro. Primeiro os pais, depois o parceiro(a). A psicanalista Malvine Zalcberg vai também argumenta que algumas dificuldades na constituição da feminilidade podem precipitar uma espécie de necessidade de um príncipe encantado”, finaliza Pacheco.

Quem está passando pela transição da vida adulta, entre os 20 e os 30 anos, deve ter se identificado com este texto. Conte nos comentários o que foi mais difícil nesta transição!

Essa matéria é a segunda matéria da série que a Vigília Nerd está fazendo sobre o Setembro Amarelo.

Leia mais:

Setembro Amarelo | 13 Reasons Why e a depressão na adolescência

Essa matéria contou com a produção de Bruna Monteiro.

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