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Lovecraft Country é a consagração da representatividade nas telinhas | Crítica

Novamente a HBO nos surpreendeu com uma série inédita, bem produzida, cheia de referências e camadas. Lovecraft Country encerrou com um gostinho de quero mais, e, apesar de não ter entregado um desfecho à altura da expectativa que gerou, é certamente uma das grandes séries de 2020. Depois da consagração de Watchmen, em 2019, certamente teremos uma leva de menções à produção de Misha Green e Jordan Peele (Corra, Nós) nas próximas premiações da TV norte-americana. É de fato, uma das séries mais singulares dos últimos anos, casando crítica social, terror, ficção científica, aventura, e claro, muita representatividade. E tudo isso subvertendo obras de H.P. Lovecraft e o próprio livro Território Lovecraft, de Matt Ruff, sem cruzar a linha do que por alguns poderia ser considerado “desrespeito”. A primeira temporada entregou momentos icônicos, de tirar o fôlego, mas acima de tudo, de reflexão embalada em um ótimo pacote de entretenimento.

Aqui na Vigília, vale lembrar, fizemos reviews por episódios no nosso canal do YouTube (e a dica é assinar o canal). Caso você tenha acompanhado, já sabe como fomos lidando com o andar da série. Ele entregou um excelente episódio piloto, chegando com o pé na porta na mescla de terror cósmico, fantasia e realidade. Desde o primeiro momento ficou claro que era praticamente impossível prever o que teríamos a cada capítulo. Por isso, fomos entrando aos poucos no clima criado, conhecendo Atticus (Jonathan Majors) e sua jornada pós-guerra da Coreia do Sul, que precisa procurar seu pai Montrose (Michael Kenneth Williams) e acaba entrando em uma trama que envolve ancestralidade e mistério. Ao seu redor, “apenas” excelentes participantes e um elenco empolgante, que parece sintonizado com toda a essência e responsabilidade envolvida na produção. São eles Letitia “Fucking” Lewis (Jurnee Smollett), Ruby Baptiste (Wunmi Mosaku), Diana Freeman (Jada Harris), George Freeman (Courtney B. Vance), e Hyppolita Freeman (Aunjanue Ellis). Lovecraft Country foi para todos eles uma jornada de autoconhecimento e redenção. E para os espectadores, a chance de pensar e se colocar no lugar do outro, literalmente assumindo a pele de quem passou a vida toda convivendo com o preconceito racial, social, sexual e de toda a diversidade que possa existir no convívio entre os seres humanos.

Em Lovecraft Country vemos de tudo, mas tudo mesmo!

Em vários momentos Lovecraft Country não choca pelo seu terror gore, fantástico ou até mesmo cósmico. É igualando ou reproduzindo episódios de racismo do nosso dia a dia que vivenciamos as situações mais angustiantes. A cada episódio tomamos uma espécie de soco no estômago, nos tirando de zonas de conforto e nos fazendo refletir sobre a condição que o povo preto convive diariamente. Certamente posso ser questionado de esse não ser meu lugar de fala. E certamente vou entender, mas não posso fugir ao fato de que a diversidade e representatividade mostradas e perseguidas a cada minuto da série é uma lição mais do que atual, mas necessária. Seja nos Estados Unidos, seja no Brasil. E não surpreende o fato de que espécies de “bots” tenha minado comentários de algumas postagens da nossa conta de Instagram para dizer que a série não é boa. Uma rápida vasculhada nos “perfis” desses haters serve para entender essas “falas organizadas” contra uma produção que quer botar o dedo na ferida da sociedade.

lovecraft country ultimo episodio
Jurnee Smollett (esquerda) é só uma das grande mulheres da série

Oscilando entre episódios incríveis e outros “só” excelentes, e até uma certa irregularidade de efeitos especiais, Lovecraft Country fez o uso de diversos discursos do mundo real em inserções orgânicas e importantes durante cada um dos 10 capítulos. Neles podemos ver desde versos consagrados até relatos de ativistas, sempre casando com a trama e os dilemas que apareciam para os personagens. Vale muito procurar por cada uma delas, que se amparam tanto cultura pop quanto em fatos históricos, como a morte do jovem Emmett Till, o massacre de Tulsa (a Black Wall Street, também já mostrada com maestria em Watchmen), passando por situações vividas no nosso agora, como o movimento Black Lives Matter e a fatídica frase “I can’t breath” (Eu não consigo respirar), dita por George Floyd antes de ser assassinado por um policial em 25 de maio de 2020 nos Estados Unidos. A trilha sonora também veio ao encontro da excelente condução da história, sempre trazendo um artista preto de renome.

Faltam palavras para descrever a consagração de representatividade narrada em Lovecraft Country. Toda construção que foi evoluindo com o passar do tempo, no entanto, nos fez derrapar na season finale, que apesar de incrível, ficou apressada demais, frustrando um pouco as expectativas. Aliás, vou deixar a nota final da série com um pequeno asterisco por aqui. Caso a saga de Atticus e Letitia continue, a nota do episódio pode subir. Mas se a série ficar por aqui, ela vai infelizmente baixar. Eu quero mais Lovecraft Country.

Veredito da Vigilia

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