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Judy, um talento destruído por Hollywood | Crítica

Sair da sessão de Judy – Muito Além do Arco-Íris é um momento delicado. Depois de ver contados os últimos meses de vida da atriz e cantora Judy Garland, o sentimento é de tristeza, melancolia e um nó no estômago. Um turbilhão de pensamentos que nos jogam bem pra baixo. Tentar relevar e pensar que é só um filme pode até ser pior, afinal, estamos falando de uma história real. Judy Garland nasceu em 10 de junho de 1922 e protagonizou uma das histórias mais mágicas e tristes da Era de Ouro do Cinema. Desde muito nova em cena, ela viu seu estrelato aos 17 anos, ao viver a pequena Dorothy no clássico “O Mágico de Oz”, dirigido por Victor Fleming e George Cukor. Fez fama e dinheiro muito cedo. Mas, infelizmente, seu mundo não foi feito só de vitórias. Em Judy – Muito Além do Arco-Íris, ela é vivida de forma plena por Renée Zellweger, em seu retorno aos holofotes, na maior parte do tempo, e esse trabalho já lhe rendeu uma justa indicação ao Oscar de Melhor Atriz. Darci Shaw divide a tarefa com ela, vivendo as remontagens da jovem Judy em importantes flashbacks.

Diferente da maioria das cinebiografias, não temos aquela clássica montagem de começar a história do final, voltar ao passado e encerrar onde tudo começou, assim como vimos em Simonal e Bohemian Rhapsody. Em Judy, temos uma história focada em seus últimos meses, quando em 1968, sua carreira estava em baixa, seu dinheiro tinha esvaído em alguns vários casamentos, e, para tentar o sustento dos filhos, ela aceita estrelar uma turnê como cantora em Londres. Logo de cara vemos a situação em que ela chegou com seus 40 e poucos anos não é das melhores, ao ponto de usar os próprios filhos para números baratos em casas noturnas menores. Um dinheiro certamente insuficiente e uma rotina tão ruim para os filhos quanto a que ela mesma já teve. Soma-se a isso sua dependência de remédios e álcool.

O roteiro de Tom Edge e a direção de Rupert Goold nos mostram muito cedo que Judy sofreu, e agora, quem parece sofrer as consequências são seus dois filhos menores. Sem muito o que fazer, ela não consegue sustentar Lorna (Bella Ramsey, a nossa Lyanna Mormont de Game of Thrones) e Joey (o nosso Roger de His Dark Materials). A falta de opções inclusive, a faz aceitar convites duvidosos e até mesmo abrir mão da guarda dos filhos. As sequências recriadas para isso também mostram uma rápida passagem de sua filha mais velha, Lisa Minelli, por alguns instantes na tela. Vale ficar atento.

Encruzilhada: como sustentar os filhos sem trabalhar?

Renée Zellweger consegue mostrar várias facetas de Judy ao longo do filme. Vemos em seu olhar a quase inexplicável carência de afeto, e também, mais adiante, ela mesclar esse tom carente com raiva, indiferença, arrogância e vários momentos de esplendor e afeto pelos que a cercam. É um dos clássicos exemplos de filmes de atuação, onde a protagonista quase não sai de cena. É também uma história bem contada, ao ponto de emocionar e nos inclinar para um estado mais reflexivo. O exercício de se colocar no lugar da atriz e cantora é difícil. Vemos que desde muito cedo a indústria de Hollywood a moldou, ou pior, foi lhe destruindo aos poucos. Em uma época com pouca informação onde o dinheiro e o trabalho falavam mais alto do que as individualidades, seu bem-estar e sua própria vontade acabaram sendo sempre deixados de lado. Remédios para não comer. Remédios para não dormir. Um adolescência sem muitas distrações saudáveis. Remédios para dormir e novamente remédios para acordar. Tudo isso foi negativo demais para uma jovem se tornar uma mulher imatura, e ao mesmo tempo, muito talentosa. Relações de abuso de poder também entram na terrível equação.

É quando ela chega para sua temporada de show em Londres – diga-se de passagem, shows sempre com ingressos esgotados – que vemos um pouco do brilho que um dia já foi a grande artista. Mesmo esnobando ensaios, ela mostrou do que era capaz. Mas mesmo a energia dos aplausos não foi suficiente para ela, que continuou sofrendo em função dos remédios que sempre lhe acompanharam. E claro, tudo pode piorar em um país longe de tudo que lhe parecia mais importante na época. São nesses momentos também que temos o esplendor da atuação de Renée Zellweger. O que ela conseguiu transpor para as telonas não está escrito nos manuais de atuação. Corpo, olhar, entonação de voz, tudo trabalha em favor da produção e é no palco que ela mostra quem era Judy Garland. Uma atriz, uma voz, um ícone.

Infelizmente, Judy Garland teve pouco tempo para brilhar aqui na Terra, morrendo por consequência do abuso de álcool e remédios aos 47 anos, no dia 22 de junho de 1969.

Veredito da Vigilia

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