Destacamento Blood é Spike Lee engrandecendo o catálogo da Netflix | Crítica

Depois de Infiltrado na Klan, Spike Lee agora nos premia com Destacamento Blood (Da 5 Blood), longa que relembra a guerra do Vietnã, também conhecida como a guerra que nunca acabou. Mantendo sua veia politizada e que sempre nos leva a temas ‘menos favorecidos’, ele, junto dos roteiristas Danny Bilson, Paul DeMeo e Kevin Willmott apresenta um daqueles filmes que a gente gosta de assistir e engrandece o fraco catálogo de originais da Netflix. Destacamento Blood é uma obra de guerra, história, luta racial e que, com o toque de Spike Lee, ganha uma edição única, esperta e que embala tudo isso em um excelente produto. É daqueles filmes que gostaríamos de ver no cinema.

A sinopse, por si só, já é marcante. Cinco ex-militares afro-descendentes e veteranos da fatídica Guerra no Vietnã retornam para o continente asiático para reaver seu líder de destacamento, Stormin Norman (Chadwick Boseman), morto em combate. Mas além disso, os cinco sobreviventes guardam um segredo na mata. Um tesouro que pode lhes garantir uma vida melhor. Não só para eles, mas para toda a causa do povo preto dos Estados Unidos. 

E o elenco para formar esse núcleo principal foi escolhido a dedo. A começar pelo mais problemático deles Paul, grandiosamente interpretado por Delroy Lindo (O Nome do Jogo). É ele o principal elo do grupo com o líder morto. A história e seu desenvolvimento vão nos fazer odiá-lo, mas também entender seus grandes traumas. Aliás, traumas de guerra que perpassam também seus amigos Otis (Clarke Peters), o mais centrado de todos, Eddie (Norm Lewis), que carrega nas pernas a marca do combate, e Melvin (Isiah Whitlock Jr.). Ao chegar em Saigon, todos ainda são surpreendidos pela chegada de David (Jonathan Majors) o filho preocupado de Paul.

Mas antes do tema central, que parece uma divertida jornada de resgate e conexão com o passado entre os veteranos de guerra, Spike Lee já nos introduz vários contextos sociais da época. Ao mesmo tempo que dirige um filme com bases e andamentos lineares como toda produção Hollywoodiana, ele, assim como em Infiltrado na Klan, se utiliza de imagens históricas e legendas que se somam a tudo que assistimos. É interessante ver esses recursos quase que de filmes documentários mesclados ao cinema pop de Spike Lee. Isso porque mesmo não parecendo, eles deixam o longa ainda mais atraente. Afinal, temos que relembrar às novas gerações do que foi a injusta abordagem dos Estados Unidos no Vietnã.

Mesmo com duas horas e meia de duração, Destacamento Blood é fácil de assistir e nos prende do início ao fim. Aos poucos vamos vendo o desenvolvimento de cada um dos veteranos, sempre caprichosamente lapidando verdades inconvenientes do mundo de ontem e de hoje. Obviamente, a veia política de Lee nos remete à diálogos marcantes que ecoam não só em função do desgoverno autoritário que vemos atualmente nos Estados Unidos, mas que andam se espalhando como erva daninha por aqui também. E isso nada mais é do que um triste retrato da nossa realidade.

Ainda na trama, Spike Lee se socorre de dois ótimos atores que vimos em Infiltrado na Klan. Temos aqui, fazendo pontas valorosas, os rostos conhecidos de Paul Walter House (como Simon) e Jasper Pääkkönen (como Seppo), mas dessa vez, eles não são racistas criminosos da Ku Klux Klan. Eles se somam à trama junto da agradável presença de Hedy (Mélanie Thierry). E claro, não podemos deixar de citar a ilustre presença de Jean Reno como o mafioso Desroche. Tudo isso só realça o quanto também foi caprichada a escolha do elenco. Estão todos nas pontas dos cascos.

De uma viagem divertida, para a guerra

O desenvolvimento de Destacamento Blood consegue nos tirar de uma aventura de redenção para nos colocar nos campos de guerra. Afinal, grandes traumas estão no interior de cada um dos “Bloods” e serão realçados a cada passo em falso que eles derem dentro das densas e complicadas matas vietnamitas. As cicatrizes de guerra também estão expostas do lado de quem viveu as graves consequências dela, mas que quase nunca são mostradas em produções que buscam “salvar” a imagem dos Estados Unidos quando o assunto é retratar o absurdo que foi a invasão por lá. E Spike Lee faz questão de abordar isso com fotos e fatos reais da crueldade norte-americana.

Outra presença forte é a do nosso Pantera Negra, Chadwick Boseman. O coadjuvante rouba a cena e mostra que seu porte de Rei de Wakanda foi bem aproveitado em uma nova causa do povo afro-descendente. Sua imponência como liderança de guerra e política é quase que um bastião da moral para os Bloods remanescentes. Uma lacuna que ele deixa aberta na vida dos companheiros, e que, absurdamente, para um deles chega a ser suprida por ninguém menos que Donald Trump. Com direito a boné vermelho com os dizeres “Make America Great Again”. De certa forma, isso mostra a carência de líderes (ou gurus) que determinadas pessoas carregam.

No final das contas, Destacamento Blood já chega sendo um dos melhores filmes originais já produzidos pela Netflix. É cinema político, pop, e acima de tudo, necessário. Cinema (sem cinema) que só autores como Spike Lee são capazes de fazer. Um novo soco no estômago de todos para mostrar que sim, vidas negras importam.

A Vigília Recomenda!