CríticaFilmes

“Chacrinha – Eu Vim Para Confundir e Não Para Explicar” recorda o legado cultural do velho guerreiro

A história de vida de Abelardo Barbosa, ou melhor, José Abelardo Barbosa de Medeiros, o eterno Chacrinha, se confunde com parte da história da TV brasileira. E o famoso Velho Guerreiro acaba de ganhar um documentário, que estreia nos cinemas brasileiros no dia 28 de janeiro. Dirigido por Claudio Manoel (Casseta & Planeta) e Micael Langer (Simonal: Ninguém sabe o duro que dei), o compilado traz imagens inéditas da história e é um resgate para que as novas gerações possam, de alguma forma, viver e sentir o que era a efervescência de um dos maiores comunicadores que o mundo já viu. Um verdadeiro fenômeno.

De bate pronto já posso dizer que assistir “Chacrinha…” é uma verdadeira viagem no tempo. Pouco ou quase nada eu lembrava daquela época, mesmo que o jovem Robson no final dos anos 80 já estivesse repetindo algum bordão do caricato senhor vestido com roupas coloridas e que jogava bacalhau na plateia. O pernambucano de Surubim era desde sua chegada no Rio de Janeiro uma figura peculiar e impactou fortemente em diferentes tipos de comportamento do brasileiro que ecoam até hoje. Sua herança é permanente. Começando na rádio, mesmo que ele tivesse um perfil “anti-rádio” para o padrão da época, foi ali que ele foi descoberto. Seu primeiro programa era ao final da grade de programação, onde costumavam tocar músicas calmas. Ele veio na contramão e começou a fazer barulho nas programações após o sol se pôr. Cheio de gritarias, buzinas e bordões, ele logo foi cooptado pela TV, onde alcançou seu esplendor.

O caos de seus programas, no entanto, era também visto em sua vida. E para isso, o filme traz depoimentos marcantes dos filhos Jorge Barbosa e Leleco, e da viúva, Dona Florinda Infelizmente após as entrevistas, Jorge e Florinda faleceram. Ela, em 16 de outubro do ano passado, um dia antes de completar seu centenário, e ele, um mês antes, no dia 2 de setembro, vítima do coronavírus.

leleco chacrinha
Leleco é o único filho vivo do ex-apresentador de TV

Outros que dão as caras são pessoas próximas da época, como Boni, Rita Cadillac, Wanderléa, e os também falecidos Elke Maravilha, Chico Anysio e Gugu Liberato. Só nesse último parágrafo já dá pra perceber o quanto nostálgico é o trabalho dos diretores. E esse ar se mistura a uma época única, que marcou, mas que provavelmente nunca mais repetirá um fenômeno parecido.

Desde a origem do nome Chacrinha, local onde ficava o estúdio de rádio onde ele começou, até os seus maiores dramas, tudo é visto no filme, que não passa muito pano na hora de mostrar que a figura podia ser controversa de várias formas. Em casa e com o relacionamento com a mulher e Clara Nunes, com os filhos, e no trabalho, na busca constante pela audiência, algo maluco para se pensar atualmente. Os limites de antes já não são mais tolerados, por mais que sempre venha alguém para dizer em alguns momentos que “o mundo hoje está chato”. O que pensar de pessoas que poderiam até mesmo sequestrar convidados de outro programa rival, não é mesmo?

joao kleber
João Kléber comandou o Cassino do Chacrinha antes da morte do titular

Por outro lado, até mesmo o filósofo e sociólogo francês Edgar Morin reconheceu a capacidade de Chacrinha em se comunicar. Ela representava o Brasil e as classes mais baixas (enquanto as mais altas disfarçavam que ele não existia). Por tudo isso ele revolucionou a TV brasileira nas décadas em que esteve no ar. Ele dava voz ao que via nas ruas, e até virou mecenas de grandes artistas da música brasileira e quebrou a essência de uma emissora de TV que se mostrava mais “fina e rebuscada”, ajudando a transformá-la na potência que é hoje. Além disso, você provavelmente já cantou alguma marchinha de carnaval dele.

É na montanha-russa de emoções que foi a vida de Chacrinha que a obra se ampara, fora o vasto material que ilustra de forma incrível o que foram aqueles anos. Passando por tragédias familiares e desfile de artistas, Chacrinha era um gênio também do marketing e da anarquia, mesmo com um só pulmão, já que o câncer levou um deles antes mesmo de seu auge. É um documentário imperdível para quem viveu e para quem não viveu essa época. Afinal, relembrar é viver.

Veredito da Vigilia

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *