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Brasileiro com alma de argentino, Vergel é o último filme exibido na Mostra competitiva de Longas brasileiros do 45º Festival de Cinema de Gramado

Direto do Festival de Cinema de Gramado

Sair da exibição de um filme no cinema e ficar por horas e horas pensando no que foi assistido. Foi assim que saímos da exibição de Vergel. Luto, natureza, descobertas, feminilidade, burocracia. Tudo isso está nos 86 minutos de exibição do longa, exibido na sexta-feira, dia 26 de agosto de 2017, no último dia da Mostra concorrente de longas brasileiros no 45º Festival de Cinema de Gramado. Apesar de concorrer há dois anos atrás, o longa só entrou em cartaz no Brasil no dia 7 de fevereiro de 2019.

Apesar do filme ter a chancela de brasileiro, Vergel tem alma argentina. Kris Niklison é argentina e diretora do filme. Mas mais que isso, ela assinou como roteirista, diretora de fotografia, diretora de arte e foi uma das responsáveis pela montagem. Então, como é de se imaginar, o drama do cinema argentino, assim como em Pinamar, está presente nessa produção

Camila Morgado vive uma mulher que acaba está viajando pela argentina e, durante essa viagem, perde o marido. Ao se ver sozinha, viúva, no meio de uma viagem, ela também precisa lidar com toda a burocracia do translado do corpo, além do sentimento de perda que a inunda e a deixa sem vontade de fazer nada. Essa mulher está hospedada em um apartamento de uma amiga argentina, que gosta muito de plantas. Aí que entra uma importante parte desse longa.

Com inúmeras plantas (todas devidamente creditadas ao final do filme), a sacada se torna uma das protagonistas desse filme. É lá que a mulher passa grande parte do seu tempo, regando as plantas, observando a vizinhança, tomando banho de mangueira. E é de lá também que nasce uma redenção no meio do luto. Uma forma da protagonista ver que a vida segue.

Maricel Álvarez dá vida à vizinha, que achando que não havia ninguém no apartamento, sobe e vai regar as plantas. Ela encontra com a mulher e elas começam a se aproximar, até que surge desejo e as duas começam a viver um romance. Esse romance permite que a mulher comece a viver algo fora do seu luto, mas com culpa.

Em paralelo a isso, temos todos os trâmites legais para levar o corpo para fora do país. São ligações e mais ligações, diversas negativas e muito acessos de raiva. Afinal, essa personagem, muito bem vivida por Camila, passa seu luto tendo rompantes de raiva e dias de tristeza profunda.

Voltando a assinatura de Kris Niklison e seu cinema, temos um filme de fotografia memorável. São cores que entram em cena e fazem sentido, como, por exemplo, uma luz amarela no rosto de Camila num momento de raiva. E temos cenas de sexo genuinamente inspiradas no cinema espanhol (lembramos do estilo de Almodóvar e de algumas cenas de sexo de Vicky Cristina Barcelona, assinado por Woody Allen), inclusive, a sexualidade e o corpo são amplamente explorados nesse filme. Alguns monólogos e movimentos de cena nos remeteram a uma peça de teatro. Parecia que estávamos vendo Camila em um palco e não em uma tela, mas isso também se deve ao passado de diretora de teatro da “dona” deste filme, Kris. Em entrevista, a diretora disse que esse filme foi uma forma dela tentar entender e lidar com a morte.

Contudo, em diversos momentos, o filme perde o ritmo. Vergel se enrola no mesmo enredo, nas mesmas angústias. Vivemos dentro do apartamento, como praticamente única alocação. E, lá pelas tantas, essa mesmice cansa. E ficamos nos questionando, por muito tempo quem morre, do que morre, o que essa pessoa tá fazendo ali. O foco é, majoritariamente, aquela mulher e o seu sofrimento. Se em La última Noite o protagonista é o diálogo, em Vergel é silêncio. Temos um roteiro confuso, com pontas soltas e elementos que, para quem assiste apenas uma vez, não faz sentido. Porém, pelo que podemos ver, Vergel é quase uma cópia da alma de Kris Niklison.

Veredito da Vigilia

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