Bela Vingança e seus necessários tapas na cara
Bela Vingança (Promising Young Woman) fez sua estreia em Sundance em janeiro de 2020. Apesar de já estar perambulando no escopo cinematográfico há um bom tempo, ele deve chegar somente dia 22 de abril ao Brasil, mas, como sabemos, ainda não é o momento de voltar às salas de cinema. O mais importante desse período de mais de um ano desde sua première até agora, é que sua história se manteve na pauta, e ainda deverá se manter por um bom tempo. O thriller de vingança escrito e dirigido por Emerald Fennell (seu primeiro longa) flerta com o humor e fixa sua relevância na atualidade, batendo forte na pauta do abuso contra as mulheres, e de como o mundo dos homens sempre acha uma brecha para perdoar o imperdoável. O mais complexo, triste e real de tudo isso, é que, sim… no final das contas, a mulher invariavelmente leva a pior (para não dizer, na maioria das vezes).
É interessante pensar que ao assistir ao trailer e ver as peças publicitárias de Bela Vingança (note que podemos até mesmo problematizar o título em português, que vem acompanhado por uma dose de machismo) nós homens – meu lugar de fala aqui nessa crítica – somos jogados a um imaginário que mescla fetiche com uma boa pitada de violência. As sugestões geradas por Emerald Fennell com a protagonista Cassie (com Carey Mulligan, indicada ao Oscar de Melhor Atriz) são obviamente propositais e realmente nos levam para esse lugar de “mulher que sai à noite para matar homens”. Suas roupas, as cores fortes bem usadas (principalmente o vermelho) trazem esses aspectos, além de deixar o longa com uma pegada bem pop. Pegada essa amplificada pela sua trilha sonora e elenco escolhido. Logo de cara, ao começar o filme, temos essa reunião de fatores, todas jogando muito a favor do mistério da narrativa.
Narrativa, que por sinal, vai sendo construída aos poucos. Embora saibamos que Cassie segue uma linha de vingança por algo muito ruim que aconteceu com sua amiga no passado, o quebra-cabeças só nos faz imaginar, colocando suas peças na mesa pouco a pouco, até que sim, a foto esteja toda montada. A partir daí, com clareza, temos o entendimento sobre todas as motivações. E esse é o charme principal de Bela Vingança. Nós vamos nos envolvendo na história e projetando várias coisas em nossa mente, para depois, termos a grande surpresa. Por tudo isso, do início até o meio do filme, os minutos passam deliciosamente rápidos. A busca de Cassie se mistura com um romance com o boa pinta Ryan (excelentemente interpretado por Bo Burnham) e dá novos ares para tudo que vemos.
Mesmo com a velocidade, o quebra-cabeças se monta com vários tapas na cara da sociedade (dos homens) que fazem o que fazem com as mulheres desde que o mundo é mundo, chegando ao cúmulo de que essa normatização seja ecoada até mesmo entre as mulheres. E levar cada um desses tapas é igualmente prazeroso e necessário. Bela Vingança faz tudo soar grave como sempre deveria ter sido e vai fazer muita gente assumir algum nível de sentimento de culpa. Aqui, o grande mérito de toda a criação de Emerald Fennell, que trabalhou antes em Killing Eve e já está contratada para escrever o filme da personagem Zatanna, da DC Comics.
É em seu terço final, no entanto, que saímos um pouco mais da ideia de filme que tínhamos visto até então. Com um desfecho um pouco menos empolgante, mas que nem por isso deixa de ser surpreendente, a saga de Cassie se fecha flertando muito mais com o gênero da comédia do que propriamente com o thriller mais tenso, que chegou a entregar em seus primeiros minutos. Isso tira a força da produção como um filme, mas não tira a força de sua lição.
Bela Vingança tem cinco indicações ao Oscar de 2021, incluindo o de Melhor Filme, e a Vigília Recomenda!