Warrior Nun: acione a suspensão da descrença | Crítica
Warrior Nun chegou ao catálogo da Netflix e a Vigília conferiu com exclusividade. A nova série de ação é inspirada no mangá (norte-americano) Warrior Nun Areala, criado por Ben Dunn, na editora Antarctic Press. E a julgar pela primeira temporada, dá pra dizer que a Netflix realmente apostou suas fichas na produção. No entanto, ela oscila por tantos temas que acaba se tornando uma série quase sem identidade. Acerta em alguns pontos, entrega boa distração, mas esbarra em outros tantos.
Tudo começa pelo conceito. Warrior Nun pode ser traduzido literalmente como Irmã Guerreira, ou ainda Freira Guerreira. Neste aspecto, já entramos em território estranho (pra não dizer ridículo), mesmo que a ideia de sociedades secretas que se misturam à Bíblia ou ao catolicismo já tenham sido explorados na cultura pop. Dan Brown que o diga. Mas como já mencionei, a obra adapta um mangá, o que dá espaço para ainda mais pirações.
Vamos a sinopse: “Uma jovem acorda no necrotério com superpoderes e descobre que faz parte de uma seita secreta de freiras caçadoras de demônios”. O plot chega já nas primeiras cenas, em um acordo bem honesto com o público. Você vai ver de cara as freiras lutando contra espíritos e a origem da heroína Ava (a portuguesa Alba Baptista). O cartão de visita é interessante, ilustrado ainda pelas belas locações da Andaluzia, na Espanha. A ação é competente e os efeitos especiais parecem todos bem legais.
O problema vai se revelando com o andar dos capítulos, onde vamos ver que os conceitos abordados também vão migrando seus tons entre o instigante e o clichê, chegando a soluções bem amadoras e uma aleatoriedade de acontecimentos bem “zoados” mesmo.
Warrior Nun nos joga para um mundo onde existe a Ordem da Espada Cruciforme (esse nome gente…) que defende o Halo de um anjo que foi depositado em Areala, uma jovem guerreira do passado. Sem querer, ou sequer saber disso tudo, Ava recebe o Halo que fica cravado em suas costas logo após ser levada ao necrotério (ela já estava morta). Os agravantes são que ela era tetraplégica desde os 7 anos e sempre foi criada em um orfanato por uma freira com intenções bem duvidosas. Obviamente, o instrumento nela fixado à traz de volta a vida, com dons espetaculares.
Fugindo e confusa, vamos entrando na vida de Ava e também da Ordem, que agora precisa procurá-la para reaver o item que possibilita tantos dons. Paralelo a isso, uma trama maior vai circulando o convento do padre Vincent (Tristán Ulloa) e a misteriosa morte da antiga portadora do Halo, a irmã Shannon. E isso nos joga para personagens que podem funcionar muito bem nos quadrinhos, mas que postas frente a todos esses absurdos, soam como caricaturas de personagens. Shotgun Mary (Toya Turner) é uma jovem que tinha um relacionamento próximo com a ex-portadora do Halo. Com um conceito Bad-Ass, ela nos traz diálogos com tantos chavões que chega a cansar. Já a irmã Beatrice (Kristina Tonteri-Young) parece mais palpável com sua devoção e perícia na luta corporal. Temos ainda Lilith (Lorena Andrea) que até está bem em um papel que terá idas e vindas na história. No elenco de fora do “convento”, no entanto, parece que entramos em outra série. É aqui a história passada da protagonista parece não colar com a realidade. Ava fica um tanto irritante em frente às suas dúvidas: aproveitar a vida que ela nunca teve ou se aliar a um bando maluco de freiras ninjas que combatem demônios.
Fica complicado demais comprar todos os conceitos apontados em Warrior Nun, ainda que tenhamos que desligar por completo nossa descrença com o divino e o improvável. Nessa mistura toda a série ainda explora uma Taraca (não é trocadilho com maritaca, é um demônio gigante mesmo) que busca pelo Halo, mas que de uma hora para outra simplesmente desaparece da história, e uma empresa chamada Arch Tech, que investiga metais religiosos (o Divinium – alguém aí lembrou do Adamantium ou Vibranium?) e a possibilidade de abrir portais para uma nova dimensão (que poderia ser o paraíso). Aos poucos vemos que tudo que parecia ser original vai tirando nossa seriedade. E os nomes de tudo – personagens, grupo, elementos – são sempre muito ruins.
Em 10 episódios, Warrior Nun parece um pouco esquizofrênica, pulando várias etapas que poderiam ser melhor trabalhadas. Uma protagonista que passou a vida inteira em uma cama sofrendo e ganha superpoderes parece incrivelmente imatura em suas posturas. Suas atitudes em grande parte não se justificam e várias ficam em aberto: seu relacionamento com JC (eu falei que os nomes eram ruins) e sua relação com a freira do orfanato, são bons exemplos de fatos marcantes que simplesmente não trazem consequências para o que vem no futuro.
Essa esquizofrenia também é percebida na trilha sonora, que ora parece sóbria, e de vez em quanto nos joga para músicas pop que não colam de forma alguma em um cenário como uma igreja ou um bando de padres caminhando.
Todos os conceitos apontados aqui poderiam render até mais do que uma temporada, melhorando nossa relação com a protagonista (e quase todos os personagens), que é na verdade, boba demais. No final das contas, você poderá se perguntar afinal qual é a missão e quais são os propósitos de tudo que acontece. Para piorar tudo, os últimos dois episódios abrem ainda mais o leque de possibilidades de acontecimentos.
Ainda assim, Warrior Nun tem bons momentos, e se você estiver só focado na ação, pode até se agradar de tudo que acontece. Mas ligue a suspensão da descrença. Seja para a religião, a ciência, os padres, as freiras e para tudo que você vai ver por aqui.