CríticaFilmes

Um Lindo Dia na Vizinhança e um monstro chamado Tom Hanks | Crítica

Das poucas dúvidas que temos na vida é de que Tom Hanks é um excelente ator. Certo? Pois se você ainda está reticente nessa questão, a dica é assistir Um Lindo Dia na Vizinhança, que estreia no Brasil no dia 23 de janeiro. No longa, baseado em fatos reais e na vida do apresentador Mister Rogers (Hanks), você verá um pouco mais do assombro de versatilidade de interpretações que o nosso eterno Forrest Gump é capaz. O filme, apesar dele não ser o protagonista, é todo dele, do início ao fim. Mas é claro, a obra de Marielle Heller (Poderia Me Perdoar, O Diário de Uma Adolescente), não é só isso.

Um Lindo Dia na Vizinhança é um filme intimista, que fala sobre rancor, guardar mágoas e saber perdoar. Ele também mostra como tudo isso pode ser prejudicial para nós humanos do mundo contemporâneo e como podemos, ou deveríamos tentar, lidar com todos esses sentimentos. Tudo isso monta uma história regular, que circula o personagem de Hanks, que conhecerá um visceral jornalista da revista Esquire, escalado para traçar o perfil do apresentador de TV, que também é considerado quase um herói nacional nos Estados Unidos. Lloyd Vogel é interpretado de forma correta por Matthew Rhys (série The Americans e The Post: A Guerra Secreta), mas por vezes, o jornalista, e recém descoberto pai de família, não chega a cativar tanto. Mas é a sua história em particular que vai tentar conectar o espectador com os sentimentos já mencionados, os quais a maioria da audiência poderá se colocar no lugar. E se você conseguir fazer isso, a experiência com o filme terá ainda mais valor. Infelizmente, não foi o que aconteceu com este que vos escreve.

Vogel tem fama de jornalista turrão, que costuma ser muito ácido em seus artigos. Rogers faz questão de conhecê-lo, e até mesmo, estudá-lo. E nessa relação, ele vai conseguir explorar um passado cheio de tensão entre Vogel e seu pai Jerry (interpretado pelo excelente Chris Cooper), que ressurge em sua vida de uma forma pra lá de conturbada. Com estes elementos, vemos o transcorrer do amadurecimento do jornalista, que antes precisa passar por algumas provações e provocações colocadas pelo seu próprio entrevistado.

Mister Rogers (Tom Hanks) conhece Vogel (Matthew Rhys)

É interessante notar que a montagem do prólogo do filme é toda conduzida como se fosse o próprio programa de TV de Rogers. E isso é essencial para já percebermos quem é este personagem e de que forma ele age, mesmo que – principalmente nós brasileiros – tenhamos pouco ou quase nenhuma referência deste programa voltado para crianças. O mesmo acontece de forma quase imperceptível no ápice da trama, quando a principal virada de jogo acontece, em uma cena quase memorável, onde a conexão entre obra e espectadores se faz quase como um exercício reflexivo bem prático. É um momento incrível da atuação de Tom Hanks.

Outro mérito da montagem do filme é que em vários momentos de transição (idas e vindas dos personagens) são contadas por meio da maquete que é o cenário do programa de TV, que basicamente recria uma grande cidade. É um elemento quase lúdico, barato e criativo, que cumpre perfeitamente o seu objetivo, e serve para relembrar todo o universo em que estamos imersos.

A diretora Marielle Heller e o astro Tom Hanks nas gravações de Um Lindo Dia na Vizinhança

Mas, nem tudo são louros em Um Belo Dia na Vizinhança. Isso porque o personagem desenhado por Mister Rogers, ou só Fred Rogers, ao mesmo tempo que conduz toda a história, pode também nos desconectar dela. Ele é, como dito até mesmo no longa, praticamente um santo. Seu trabalho está voltado para o ensinamento e no contar bons exemplos, o que ele acaba espelhando em quase todas suas ações, nos apresentando uma pessoa praticamente perfeita, fazendo a total oposição com Vogel. E isso por vezes será extremamente irritante, afinal, são nas imperfeições que vemos a humanidade dos protagonistas. Infelizmente, as noções que nos mostram essa humanidade em Rogers são absurdamente controladas, pouco críveis para qualquer ser humano. E essa proximidade com a perfeição coloca o filme em um patamar abaixo do que ele poderia ter conquistado.

Um Belo Dia na Vizinhança é uma obra bem feita. E se você conseguir se conectar com ela, com certeza a sua experiência será completa. Caso contrário, assim como eu, você poderá ter uma sessão massante, abrilhantada por um monstro chamado Tom Hanks.

Veredito da Vigilia

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *