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Sociedade e família dão o tom em A Verdadeira História de Ned Kelly | Crítica

A mitologia em torno de Ned Kelly é recontada no voraz “A Verdadeira História de Ned Kelly”. O filme do cineasta Justin Kurzel (Macbeth e Assassin’s Creed) é uma leitura interessante, que mostra a clássica máxima do filósofo suíço Jean-Jaques Russeau: “O homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe”. Neste caso, corrompe de uma forma sangrenta e violenta, fazendo com que os traumas de toda uma família recaiam sobre um menino, que certamente não teria a mínima condição de suportar. O filme estreia dia 22 de outubro no Brasil, em cinemas que estejam abertos conforme os padrões de distanciamento social e normas de segurança.

Durante as duas horas de filme, acompanhamos a juventude de Ned até seu desfecho, que culminou nos atos que marcaram a sua vida na história da Austrália e, praticamente, de todo o mundo. O pistoleiro que viveu pouco, sendo executado aos 25 anos, marcou época por uma série de fatores, que vemos aqui baseados e amparados no livro A verdadeira história do bando de Ned Kelly, de Peter Carey.

O elenco engrandece a trama trágica que desde cedo se desenha na tela. Estamos nos anos 1855 (até 1880), era colonial onde a informação era para poucos, assim como as regalias e confortos que hoje consideramos básicos. Pelo olhar de Edward “Ned” Kelly, vivido primorosamente por George MacKay (1917, Capitão Fantástico), vemos o quanto o contexto influencia as escolhas de quem sofre com o preconceito social, e mais necessariamente, a violência habitual de uma época em que a arma falava mais que os livros. As tragédias em torno do menino vão aos poucos forjando um protagonista que cada vez mais se perde em sua, até compreensível, sede de vingança. Ao lado de MacKay temos Russel Crowe (Gladiador), Nicholas Hout (A Favorita, X-Men: Fênix Negra), Charlie Hunnam (Rei Arthur: A Lenda da Espada) e Essie Davis (Game of Thrones). 

ned kelly e sua mãe
Ned Kelly e sua relação fraternal com a mãe

A atmosfera criada por Justin Kurzel é interessante. O clima é sempre frio, amparado pelo cenário empobrecido e a sujeira em que vive a família de Ned Kelly, com poucas cores em destaque. Outro ponto importante é a sua relação fraternal com a mãe Ellen Kelly (Essie Davis, de O Babadook) e irmãos, mas que, aos poucos, também veremos que pode ser bem problemática.

O primeiro terço do filme é importante, e deixa as pontas de Crowe e Hunnam para trás, mas marcam a vida de Ned Kelly de forma expressiva para o decorrer da história. Com um Ned mais adulto, e já calejado pelo sofrimento que a família parece amargar por toda sua existência, entramos para as duvidosas escolhas que fizeram a fama do personagem. Embora ainda demonstre marcas da criança imatura do passado, ele percebe que não adiantará tentar ser passivo perante a sociedade que os discrimina. E aí começam alguns problemas na trama.

russel crowe e charlie hunnam em a verdadeira história de ned kelly
Charlie Hunnam e Russel Crowe fazem participações especiais em A Verdadeira História de Ned Kelly

Ao sair de uma etapa para outra, o filme parece perder o foco das mudanças psicológicas do “pistoleiro”. Embora tenha saídas narrativas bem colocadas, algumas cenas mais nervosas, câmera balançando e um punk rock industrial como trilha, o arco final do personagem acaba suprimido, quase sufocado pelos trechos anteriores, precisando acelerar o que poderia ser uma das partes mais atrativas do pensamento de Ned Kelly. Um exemplo disso é a sua relação com o “quase amigo” Fitzpatrick (Hoult) e que justificaria algumas ideias clássicas, como a armadura que montou para enfrentar dezenas de policiais, mas que acaba sendo quase que uma explicação aleatória. A vingança de Ned Kelly contra a sociedade poderia ocupar mais tempo do filme, afinal, não é qualquer um que reúne um exército de uma hora para outra, e poderia deixar de amenizar a história do famoso bandido que se vestia de mulher e que imortalizou um conflito de quase 12 horas contra a polícia. 

Ainda assim, A Verdadeira História de Ned Kelly entrega um bom filme e boas atuações, e a quase certeza que George MacKay seguirá despontando em outros ótimos personagens nas telonas.

Veredito da Vigilia

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