Rainha de Copas, uma visita à versão mais sombria do ser humano | Crítica
Rainha de Copas drama que estreia no dia 12 de setembro em todo o Brasil, é aquele tipo de filme que conseguimos prever alguns resultados trágicos, sempre oriundos das ações dos personagens. Mas, nem por isso, a trama é desinteressante. Pelo contrário, ela é envolvente ao ponto de torcermos por um final diferente.
Com uma narrativa fortíssima, a diretora dinamarquesa May el-Toukhy nos apresenta um filme que impressiona positivamente por sua ousadia e excelentes atuações. A trajetória angustiante, nos faz emergir no enredo e revela uma série de contradições que podem atormentar e nos obrigar a rever condutas e valores.
Mas vamos para a história. Tudo se passa na Dinamarca e é contado a partir da perspectiva de Anne (Trine Dyrholm), a representação ideal da mulher bem-sucedida: advogada, extremamente respeitada, que se empenha em defender crianças e adolescentes vítimas de abusos e violência doméstica. Bela casa, casamento estável com o médico Peter (Magnus Krepper) e mãe dedicada de gêmeas. Ao saber que seu enteado, o jovem e problemático Gustav (Gustav Lindh), vai precisar morar com sua família, Anne se mostra compreensível e disposta a ajudá-lo a se integrar, mesmo que isso implique em mudanças na rotina familiar. E é aqui que tudo começa a mudar.
Em alguns momentos, é possível perceber a insegurança masculina diante de Anne. A mulher, de personalidade forte, é apontada como inflexível e dominante nas suas relações. A chegada de Gustav, e sua vida sexual explicitamente ativa, a deixa vulnerável, o que fica evidente na cena em que ela olha seu corpo no espelho e estica a pele da barriga, com certo ar de frustração. Uma conexão emocional é percebida à medida que a relação entre madrasta e enteado evolui. Ele com a intenção de ser aceito e sentir-se amado, começa a demonstrar uma doçura antes escondida atrás de sua máscara de rebeldia. Ela, nitidamente curiosa e guiada por seus desejos. Sem poder controlá-los, a vida perfeita dá lugar a uma intensa relação sexual com o enteado. A química entre os atores e a bela atuação deles dá o tom de veracidade necessário para a composição de personagens capazes de trazer à tona a complexidade humana. Nos vemos diante de atitudes condenáveis, com a capacidade de relativizá-las.
Gustav é um garoto forte, porém fragilizado, o que reforça o sentimento de contradição da produção, visto que Anne, com toda sua força, o torna uma vítima como as que defende em sua profissão. A aventura torna-se um problema para a protagonista, que trava uma batalha para não perder seu status de mulher perfeita. A ingenuidade de Gustav confronta uma Anne manipuladora que demonstra que as atitudes mais reprováveis podem vir de qualquer um. Inclusive de um “cidadão de bem”. Mesmo com esse tom conflituoso, a obra não apresenta julgamentos, ao contrário, nos faz querer encontrar motivações compreensíveis para tais atitudes.
O filme encerra de forma impiedosa, resultado do instinto de preservação humana. Afinal, do que somos capazes quando nos sentimos ameaçados? Rainha de Copas é um convite para refletirmos sobre nossas fraquezas, hipocrisias e nossa disposição em acessar nosso lado mais obscuro em benefício próprio.
A Vigília Recomenda!