“Os Fabelmans” une memórias de Spielberg em um tributo ao cinema
A autobiografia é um gênero clássico do chamado “cinema de autor”. Nomes como Fellini, Ari Folman, Hector Babenco, entre tantos outros já produziram obras refletindo sobre suas trajetórias. Mais recentemente, diretores como Pedro Almódovar (Dor e Glória), Alfonso Cuarón (Roma) e agora Steven Spielberg produziram filmes que refletem sobre suas vidas e sua paixão pelo cinema. Em “Os Fabelmans”, que chega dia 11 de janeiro aos cinemas brasileiros, Spielberg nos torna espectadores das andanças, alegrias e dissabores de sua família, ressignificando imageticamente sua juventude e sua relação de descoberta e paixão pelo cinema.
Assim, entramos na vida do jovem Sammy Fabelman (Gabriel LaBelle), nascido em uma família judia com duas irmãs, um pai engenheiro da computação, Burt Fabelman (Paul Dano, de The Batman) e uma mãe musicista, Mitzi Fabelman, interpretada por Michelle Williams (O Rei do Show) em uma performance singular. Ao mesmo tempo em que observamos a família evoluir, percebemos o desenvolvimento do jovem Sammy, no qual, para além de um hobby e uma obsessão, o cinema se torna sua vocação. Entre a visão do pai do garoto, com seu pensamento técnico e científico da produção cinematográfica e a visão poética e artística da mãe, observamos o nerd das câmeras Sammy crescer e sutilmente nos referenciar as principais influências de Spielberg em uma meta aula de cinema em cada detalhe, enquadramento, efeitos especiais, direção, produção, fotografia etc.
A dicotomia ciência e arte, técnica e poesia é tanto parte do filme quanto dos acontecimentos que levam aos desmantelamentos da família e ao segredo que o jovem Sammy investiga e desvenda com o olhar atento de detetive da montagem, frame a frame através dos registros audiovisuais da família. E é nesse jogo entre as relações humanas desveladas tanto nos diálogos e atuações como no olhar da lente de Spielberg, o voyeurismo da audiência e as citações a cineastas e a gêneros cinematográficos que o influenciaram (da aventura ao Western, passando pelos filmes de guerra) que está a essência e a beleza de “Os Fabelmans”, uma quase sessão de terapia audiovisual.
Acredito que para além da “carta de amor a sua família e ao cinema” como Spielberg anuncia no início do filme, olhando diretamente para a câmera, “Os Fabelmans” também mostra porque o diretor ainda é um dos que melhor consegue dominar os filmes do estilo “coming of age”, colocando os jovens e seus dramas emocionais no centro da película. É impressionante como as contradições e dificuldades da juventude são bem retratadas referenciando suas próprias obras iniciais – como E.T., o primeiro filme que assisti no cinema – e o mestre John Hughes. O tom de drama e comédia é alternado sem pesar a mão. E em tempos de debate sobre blockbusters X cinema independente, Marvel versus Scorcese, cinema X streamings, a participação mais do que especial de David Lynch demonstra que a vida de Spielberg, ou Sammy, foi transitar de forma genial entre todas as contradições e nos deixar um legado de filmes que ultrapassam gerações.
Pra assistir no cinema!