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Oppenheimer: impacto histórico com visual incrível

Novo filme do diretor britânico Christopher Nolan, Oppenheimer (2023), traz a difícil missão de contar a história por trás da criação da bomba atômica, tendo o personagem do físico J. Robert Oppenheimer (Cillian Murphy, de Peaky Blinders) como seu protagonista e condutor da narrativa.

Nolan larga um pouco seus maneirismos sobre viagem no tempo (embora traga algumas cenas fora da ordem da narrativa principal) e faz um filme que basicamente pode ser dividido em três atos, uma “trindade”, parafraseando a experiência Trinity, o primeiro teste com arma nuclear que foi justamente liderada por Oppenheimer em Los Alamos, Estados Unidos.

No primeiro ato, vemos um jovem cientista judeu saindo do Brooklyn, em Nova York, e indo estudar física quântica com os maiores pesquisadores da Europa. Temos, nesse momento, suas contradições e relações de disputa e colaboração com seu supervisor na Universidade de Cambridge e com o famoso cientista dinamarquês Niels Bohr (Kenneth Brannagh). Para além da física teórica, Robert também era interessado em diferentes línguas, na psicanálise de Freud e nas ideias de Marx.

Já no segundo ato, acompanhamos o retorno do físico aos Estados Unidos em sua contratação como professor e pesquisador em grandes universidades, avançando a área de estudos da física quântica no país. É também aqui que observamos suas relações complexas e muitas vezes conflituosas com seus pares acadêmicos, com o irmão e a cunhada, Frank e Jackie (Dylan Arnold e Emma Dumont, respectivamente) e seus interesses românticos: a psiquiatra Jean Tatlock (Florence Pugh, de Adoráveis Mulheres e de Não se Preocupe, Querida; em uma interpretação pungente) e Kitty (Emily Blunt, de Mary Poppins e Um Lugar Silencioso), bióloga que viria a se tornar sua esposa. Todos esses personagens de alguma forma ligados aos ideais e ao Partido Comunista.

Cillian Murphy interpreta o físico J. Robert Oppenheimer em longa dirigido por Christopher Nolan.

É também nesse momento que acompanhamos a construção da cidade laboratório Los Alamos (onde a Experiência Trinity foi realizada) e a transformação de Oppenheimer, de teórico a empiricista e suas relações políticas com o governo e o exército, sobretudo a partir da figura do militar Leslie Groves, interpretado por Matt Damon (de Air, a História por Trás do Logo). Nesse momento, são amplificadas as camadas de complexidade das atitudes de Oppenheimer, gerando tensão entre os cientistas e o governo norte-americano em diversos momentos.

O último ato traz a resolução do conflito da sindicância/ “julgamento” sofrido pelo cientista e que acontece ao longo da narrativa, no qual cresce o papel do senador Lewis Strauss, interpretado pelo eterno Tony Stark, Robert Downey Jr. Aqui, o conhecimento e a ciência entram em choque com a realidade política e os interesses governamentais, além da mudança de inimigo do nazismo para o comunismo, demonstrando mais uma vez que não há ciência neutra. Strauss cresce à medida em que a trama se desenvolve, e o presidente Truman, em uma ponta de luxo de um Gary Oldman quase irreconhecível, e todo o entorno de Washington DC são ainda mais apavorantes e opressores que a Academia, habitat de Oppenheimer em boa parte de sua vida.
Para além da grandiosidade e atordoamento das cenas de explosão dos testes nucleares e do desenho de som interessante (vale a pena ver no IMAX sim, amigos), que intercala silêncios e a excelente trilha de Ludwig Göransson (mais conhecido por seu trabalho em Mandalorian), Oppenheimer aposta nas controvérsias e contradições do conhecimento e do fazer científico na mente de um homem cujos atos transformaram para sempre o século XX e XXI.

Matt Damon e Cillian Murphy em Oppenheimer, dirigido por Christopher Nolan.


Se em Barbie (não eu não perderia a oportunidade do crossover #barbenheimer) temos um filme com foco feminino em suas perdas em uma sociedade que as diz imperfeitas, em Oppenheimer temos uma obra onde observamos a ciência em sua forma mais dura e masculinista, seja na relação entre os próprios homens que a produzem e as imposições sociais ou no legado catastrófico que a sucedeu.

Oppenheimer traz, por meio do seu visual e da interpretação contida de Cillian Murphy, a mente inquieta, visionária, apavorante e contraditória de um homem extremamente absorto pela ciência de seu próprio tempo, mesmo que “sob os ombros dos gigantes”. O ponto forte do filme reside justamente nessas controvérsias relações entre conhecimento, sociedade e política. Nesse sentido, apesar das 3 horas prenderem muito a atenção do espectador, em alguns momentos, o elenco estelar talvez fique um tanto perdido e sub-aproveitado.

De qualquer forma, o longa é um ponto muito positivo para o “cinemão”, pois não é remake e nem reboot, não é filme de franquia e não apela para o consumo nostálgico. Trazer a ciência e suas controvérsias de difícil assimilação em um filme massivo foi um desafio que Nolan conseguiu superar tanto técnica quanto esteticamente.

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