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Okja: fábula e realidade nível Cannes | Crítica

Okja estreou no serviço da Netflix e trouxe duas importantes novidades para o “cinema”. Pela primeira vez podemos consumir um filme que passou por um dos festivais mais respeitados do mundo sem sair de casa e com pouquíssimo tempo de espera desde sua apresentação em Cannes. A outra é a oportunidade de ver mais uma bela obra do diretor sul-coreano Joon-Ho Bong, um achado entre os diretores de cinema contemporâneos. Antes de ficar à disposição de todo o mundo, Okja recebeu aplausos (pela sua obra em si) e vaias, contra o sistema de distribuição da Netflix, que faz cinema, sem passar pelo cinema. Por isso as aspas na primeira frase.

Polêmicas à parte, Bong traz como de costume uma história bem contada, com um fundo de crítica forte, mantendo-se fiel às suas ações e discursos como cineasta. Okja é uma mistura de fábula e ficção científica, que dá seu recado para todo um sistema e práticas humanas do mundo real, assim como vimos em O Expresso do Amanhã (2013 – A Vigília recomenda e também está no catálogo da Netflix). Além disso, Bong reúne um elenco digno de aplausos. Tilda Swinton (Doutor Estranho, Precisamos Falar sobre Kevin), Jake Gyllenhaal (O Abutre, Donnie Darko), Paul Dano (Sangue Negro, Um Cadáver para Sobreviver), Steven Yeun (The Walking Dead) e a menina Seo-Hyun Ahn no papel de Mija.

Em O Expresso do Oriente, Bonj explorou as relações humanas em situações limites para a sobrevivência (fora as surpresas). Já em Okja, temos a crítica nas relações das grandes empresas capitalistas e nas suas formas em buscar seus relacionamentos de marcas, obter poder e ainda ultrapassar barreiras científicas quanto ao manuseio de pesquisas genéticas. Isso leva à dona da multinacional Mirando Corporation (Lucy Mirando, interpretada por Tilda Swinton) a compor uma espécie de concurso mundial. Ela espalhou 27 superporcos, uma criatura criada em laboratório que emula uma mistura de porco com hipopótamo, pelo mundo. O fazendeiro que melhor cuidar de seu espécime será o vencedor, em um evento que vai apresentar ao mundo pela primeira vez a divulgada raríssima (e natural, só que não) espécie do animal.

Mija e seu avô vivem por mais de dez anos com o novo bichinho, que acaba virando o melhor amigo da menina que vive nas “colinas verdejantes” do interior da Coreia do Sul. Gyllenhaal é um artista de TV contratado para representar a multinacional. Num premeditado e caricato “artista” ele documenta a busca de todos os superporcos, e leva Okja a espécie que Mija sempre cuidou, de volta para Nova Iorque. Revoltada, a menina faz de tudo para reaver sua amiga. No entanto, ela não sabe que vai se tornar peça de um jogo de poderes e ideologias muito maior que a sua inocente, mas bela, compreensão. É aqui que entra Jay (Paul Dano) e sua equipe de revolucionários da ecologia e da proteção aos animais.

É interessante ver como Bong trabalha essas questões tão reais sempre transpostas para fábulas com requintes de ficção e fantasia. Acaba sendo uma forma lúdica de manipular estereótipos de personas da vida real e de acontecimentos do mundo capitalista que busca poder, riqueza e fama a todo custo. A forma de colocar tudo isso na tela é divertido, e absurdo ao ponto de nos fazer pensar o quanto aquilo realmente pode ocorrer. Por tudo isso, Okja acaba sendo um paradoxo. Ao mesmo tempo que tem sua crítica social calcada em sistemas e mercados, está colocado em um diferente sistema e mercado de distribuição de filmes, o que ocasionou as vaias em Cannes. Vale lembrar, que a crítica do presidente do júri, Pedro Almodóvar, foi justamente Okja ser cinema feito para não estar no cinema. Mas vale lembrar também que isso aconteceu antes do filme ser reproduzido. Ocorreu durante a projeção da marca Netflix nas telas. Após os créditos finais, o que se viu e ouviu foram aplausos.

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