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O Gambito da Rainha: um xeque-mate da Netflix

A Netflix me fez sorrir novamente com a sua adaptação do romance de Walter Tevis, O Gambito da Rainha. Vou abrir a crítica dessa forma justamente porque já estabeleci um conflito forte com o serviço de streaming, que sabemos, nunca disfarça sua preferência por quantidade em relação à qualidade. Acontece, que as exceções da regra volta e meia aparecem, e desta vez, de forma competente com uma história forte que envolve muitos temas, e um deles, veja só, é o xadrez.

https://youtu.be/cnqV3wsZlpo

Embora o nome “O Gambito da Rainha” não transpareça muita confiança – é uma referência a uma jogada de esporte de tabuleiro onde se sacrifica um dos peões em troca de uma possível vantagem – em meio a tantas produções da atualidade, foi ancorado no star-power de Anya Taylor-Joy (A Bruxa, Vidro, Os Novos Mutantes) que provavelmente os primeiros “plays” foram dados. Em pouco tempo em catálogo, a série já alcançou uma marca expressiva de visualizações. E essa marca é merecida. A qualidade deu lugar a quantidade, inclusive no número de episódios. Em apenas sete, temos a saga da enxadrista Beth Harmon (Anya) contada sem barrigas ou enxertos desnecessários.

anya taylor-joy em o gambito da rainha
Desde pequena, Beth já tinha o dom para o xadrez.

Abandonada em um orfanato, vemos seu passado se entrelaçando ao presente a cada episódio (em pequenos flashbacks), sempre buscando dar aquele ar misterioso para o que quer que possa ter acontecido com a garota. No próprio orfanato ela desenvolve aptidão e paixão pelo Xadrez, ao jogar com um dos funcionários. Junto disso, ela recebe algumas pílulas calmantes, que bizarramente são ofertadas a todos os internados, ou melhor, internadas. Diferente da amiga negra e mais velha que divide o alojamento, Beth, loira e mais nova, consegue ser adotada com uma certa facilidade. Os clichês aqui são óbvios, mas certamente verdadeiros em índices de adoção. Principalmente em uma série de época. Aqui, estamos no final dos anos 50, onde o racismo tinha uma conotação ainda mais forte.

Marielle Heller, a diretora de Um Lindo Dia na Vizinhança, adota Anya Taylor-Joy. Foto: Phil Bray/Netflix/2020

Mas a série criada por Scott Franck (Logan) e Allan Scott (o primeiro Convenção das Bruxas) segue por outros caminhos, focando em sua personagem, primorosamente vivida por Anya Taylor-Joy. Ela consegue nuances importantes para o papel de uma órfã, que gosta de xadrez e precisa se adequar a uma sociedade amparada no “american way of life” da época. O que para as mulheres, basicamente girava em torno de casar, ter filhos e cuidar de casa. Mas Beth tem outra personalidade. Ela mostra confiança, passa por momentos de extrema fragilidade, vai atrás do que mais gosta, e não se abate com a sociedade machista que está em todos os seus contextos, principalmente no âmbito dos enxadristas.

Harry “Duda de Harry Potter” Melling é Harry Beltik, um dos amigos de Beth Foto: Phil Bray/ Netflix/2020

Com classe, ela evoluiu aos poucos, aprende muitas coisas da pior forma, comete erros, mas contorna diversas situações. Neste aspecto da trama, a narrativa é até previsível, mas surpreendente na forma em que aproveita o seu elenco de apoio – com caras conhecidas como Marielle Heller (a diretora de Um Lindo dia na Vizinhança), Thomas Brodie-Sangster (Maze Runner, Game of Thrones), Moses Ingram, Harry Melling (Harry Potter e O Diabo de Cada Dia) e Bill Camp – e prende a atenção do público criando tensão e nervosismo em um jogo que é desconsiderado por muita gente. Você vai comprar cada partida dela e torcer para suas vitórias, seja na vida pessoal, ou como grande jogadora profissional que ela se transforma.

O desafio final de O Gambito da Rainha
O desafio final só poderia ser contra um russo, não é mesmo?

É interessante perceber que Allan Scott adquiriu os direitos para adaptar O Gambito da Rainha há quase 30 anos atrás. Seria muito fácil pensar que a temática perdesse força em uma época em que são os jogos eletrônicos que comandam. Mas não. Fica comprovado que uma história bem contada pode ter o enredo mais aleatório possível. Entre idas e vindas de diretores para trabalharem na adaptação, até mesmo Heath Ledger aparece. Ele seria o diretor do filme, que acabou, obviamente, não saindo. Provavelmente, para tudo que temos, uma minissérie tenha sido realmente a melhor escolha. E, veja só você, foi uma escolha da Netflix, e uma escolha pela qualidade.

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