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Motorrad: o cinema de terror pode viver também no Brasil | Crítica

E tem um terror/thriller/slasher genuinamente brasileiro chegando aos cinemas no dia 1º de março. E mais, é um terror/thriller/slasher baseado em uma história em quadrinhos também genuinamente brasileira, criada pelo mais do que reconhecido quadrinista Danilo Beyruth. Esse é Motorrad, o filme que foge aos principais padrões quando se fala em cinema nacional. E realmente isso precisa ser muito enaltecido. Afinal, o país que tem produção de cinema de terror, seja do famoso, mas pouco reconhecido, Zé do Caixão, seja o mais trash mesmo, quase independente, de festivais tipo B, precisa ganhar ainda mais os circuitos tradicionais. O cinema nacional é mais rico do que as comédias estilo ‘globochanchadas’, e parece querer aparecer ainda mais agora nessa segunda virada dos anos 2000. Motorrad mostra isso, embora muito provavelmente não se torne uma unanimidade. Para aqueles que vibram com qualquer terror aleatório de Hollywood, então temos um filme conceitual e a altura.

Tudo começa com um bom rolê com os parças

Motorrad foi o único filme nacional a figurar no Festival Internacional de Cinema de Toronto em 2017. Lá teve sua primeira exibição é já garantiu distribuição para países como Estados Unidos, França, Itália, Japão, Canadá, China e outros. Dirigido por Vicente Amorim, fica fácil identificar que a história veio das páginas cheias de requadros, balões, splashes e balões de onomatopéias. A história se baseia em um grupo de motocross que se aventura por um trilha na belíssima Serra da Canastra, em Minas Gerais. Aliás, este é mais um ponto a favor do filme. Desde já vou planejar alguma trilha por essas bandas. Mais uma riqueza nacional levada para o mundo inteiro pelas lentes do nosso cinema. Nessa trilha, o grupo passa a ser perseguido e caçado por outro grupo de motocross. Esses, todos de preto, com correntes e facas bem afiadas, prontos para uma perseguição bem sangrenta.

Mas daí uns troços ruins começam a acontecer

Desde os primeiros momentos vemos a preocupação em transpor os quadrinhos para as imagens filmadas da melhor forma possível. Nas HQs é possível contar uma história com cortes secos, fazendo com que nossa imaginação complete o espaço que existe entre os quadros. Isso fica nítido no filme, mas nem sempre funciona. Como arte de absorção quase automática, talvez a opção da direção pudesse ser por mastigar um pouco mais as cenas, dando tempo aos espectadores. O que é possível na sétima arte em termos de ritmo de aquisição, mas não na nona (os quadrinhos). Por outro lado, essa opção também dá um ao terror de Motorrad um toque poético de imagem e de narrativa. Há poucos diálogos e você não precisa se preocupar com explicações. Basta ficar observando. Fica evidente também a dificuldade em se fazer um filme desses sem acabar distorcendo a geografia do local. Perseguições e ações dos personagens precisam do ambiente propício, e isso só é possível à arte de editar imagens fazendo que um local pareça ser um recorte que não é tão preciso.

Mas o cenário é top!

Motorrad tem também um tom acertado de estética. O clima de mistério combina com os tons usados, a quase ausência de cor, numa paleta chapada, aliada à Serra da Canastra e o uso de motocicletas vindas de ferro-velho sem (muitas) cores que completam a ideia de local desolado. Alguns podem lembrar filmes com cenários pós-apocalípticos, como de um Mad Max da vida. Mas Motorrad tem identidade própria. E sem vergonha nenhuma, temos a clássica história de um grupo perdido que vai perdendo seus componentes um a um. O trailer é quase expositivo nesse quesito.

O elenco traz Guilherme Prates como o protagonista Hugo, Carla Salle como Paula, Emílio Dantas como Ricardo, Juliana Lohmann (de duas gerações de Malhação) como Bia, Pablo Sanábio como Tomás, Rodrigo Vidigal como Rafa, Alex Nader como Maurício e Jayme Del Cueto como “o homem velho”. Apesar de algumas participações questionáveis, o núcleo segura as pontas, mesmo se estão sendo queimados, decapitados ou afogados. Eles não comprometem a experiência, mas se percebe que tudo isso faz parte de um gênero quase inexplorado nas artes cênicas brasileiras. E isso fica também evidente em cenas de perseguições onde os atores precisam ficar sem capacetes, e de quebra, sem dublês.

Juliana Lohmann, no filme a garota Bia, fez duas gerações de Malhação, mas quem brinca com fogo é pra se queimar

Motorrad cumpre o que se propõe e traz um bom entretenimento para os amantes de filmes com uma pegada mais violenta e tensa. A trilha sonora acompanha os movimentos das motos e remete muito ao clima construído: motos, noite, trilhas, sustos e violência. Ela é única e constante, batizada com exatidão como “Last Ride”. O filme ganhou elogios mundo afora e pode até ser o início de uma franquia ainda maior, pois há uma narrativa misteriosa que deixa margem para muitas interpretações. Embora pudesse ter trabalhado melhor alguns aspectos na transição das HQs para as telonas, a produção é sim um trunfo do cinema nacional. Espero que com ele, outros possam construir histórias originais com seu gênero próprio e sem medo de ser feliz, assim como a fatídica fatia de filmes de comédias nacionais que pouco ou quase nada acrescentam nas salas de cinema. O cinema nacional pode mais e Motorrad é o exemplo disso.

Veredito da Vigilia

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