Master of None esquece o humor e foca nos relacionamentos
Aqueles que estavam com saudades de Master of None (eu me incluo entre eles) terão seu reencontro com a premiada série no dia 23 de maio. Mas dessa vez, é importante ficar preparado, pois ela vem ainda mais desconstruída e ‘diferentona’. Saindo da mescla divertida de humor, relacionamentos e o crescimento de jovens adultos, ela agora foca exclusivamente nos relacionamentos, com pouquíssimos respiros de ironias que fizeram a reputação da criação de Aziz Ansari e Alan Yang. São apenas cinco episódios que saem da zona de conforto da própria série, mostrando que a própria produção evolui e não tem medo de encontrar novos caminhos, ainda que, isso possa tirar (é uma quase certeza desse que voz escreve) a sua popularidade.
Agora chegando sob o título “Master of None – Momentos Apaixonados” (Moments in Love), temos um mergulho no relacionamento de Denise (Lena Waithe) com a sua parceira Alicia (Naomi Ackie), em uma reunião da vencedora do Emmy com a vencedora do BAFTA, respectivamente. Ou seja, você pode esquecer Dev (Ansari) e sua saga como ator, seu núcleo familiar e suas frustrações ou vitórias amorosas, ou as clássicas jornadas gastronômicas por Nova Iorque. E, para quem estava acostumado a ver o ator com todo seu carisma e verborragia, terá um grande baque. E essa mudança toda tem um contexto claro e importante na vida real. Ansari foi acusado de abuso sexual no auge do movimento Me Too, quando vários relatos de mulheres vieram à tona impactando artistas e produtores de Hollywood. Ele se defendeu das acusações e demonstrou arrependimento, apesar de relatar que toda a situação foi consensual. Sobretudo, mesmo com a polêmica, Ansari não foi cancelado. Depois disso, chegou a dar entrevistas dizendo que não fazia mais sentido fazer Master of None para contar as mesmas histórias. “Não tenho mais nada a dizer sobre ser um jovem solteiro em Nova Iorque comendo o tempo todo pela cidade”. Esse contexto explica muito do que vemos, e é uma forma corajosa de retomar o projeto.
E isso coloca Master of None – Momentos Apaixonados em um novo lugar de fala. E traz novos ensinamentos (aliás, vale lembrar essa lista das temporadas passadas). O relacionamento de duas mulheres entra em cena e aborda temas fortes. Na verdade, o casamento de duas mulheres bem-sucedidas e seus altos e baixos, clássicos para este tipo de narrativa, mas não tão clássicos assim na cultura pop como fomos formados a ver. Temas como traição, diálogo, fertilidade e projetos de construção de uma família com filhos são apresentados de uma forma muito bonita e reflexiva. Ansari dirige os episódios e nos transporta para uma espécie de cinema indie com muitos diálogos, muitas pausas (muitas mesmo) e as muitas dúvidas existenciais que cercam duas mulheres adultas negras, independentes e cheias de plano no mundo atual.
De um jeito muito próprio, Master of None busca enquadramentos próprios e abusa da câmera parada dentro dos ambientes, deixando a cena fluir mostrando as angústias de Denise – agora uma escritora de sucesso e bem focada em sua carreira -, mas principalmente de Alicia (excelente atuação de Naomie Ackie), uma Química formada que mudou sua carreira e trabalha como caçadora de relíquias em um antiquário próprio. Alicia merece todo seu destaque, pois são dela os principais momentos dramáticos, principalmente em sua luta (cheia de obstáculos) para ter um filho. Mulheres e casais que por ventura estiverem passando (ou já passaram) por situações semelhantes se identificarão bastante. O exercício de empatia e de se colocar no lugar de Alicia vai deixar a experiência ainda mais marcante.
Os bons e maus momentos do casal não são aquela experiência mais leve que Ansari e Yang conseguiram imprimir nas duas primeiras temporadas. Então, se você pensa em dar o play em Master of None – Momentos Apaixonados para fugir da realidade e buscar um momento de respiro no seu dia em meio a pandemia, pense duas vezes. Agora, a única semelhança mantida é a da reflexão, ampliada na potência 10. É legal estar com a expectativa regulada para não se frustrar e encarar de frente mais alguns socos no estômago. Apesar de diferente, Master of None continua sendo única.
A Vigília Recomenda.