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Little Fires Everywhere e a nossa frágil capacidade de julgar | Crítica

Saudades de uma série cheia de intrigas, camadas e críticas que nos fazem abrir os olhos para como a sociedade (e nós) precisamos melhorar como pessoas? Então sejam bem-vindxs a Little Fires Everywhere, ou Pequenos Incêndios por Toda a Parte, na tradução. A série original da Hulu, com produção da ABC, está disponível aqui no Brasil no Amazon Prime Video, e é uma produção caprichada, cheia de reviravoltas e ideal para quem gosta de Big Little Lies (HBO). Em comum com a série da HBO, temos o dedo de Reese Witherspoon, em mais um drama da “alta sociedade”, com o expressivo acréscimo de Kerry Washington (Django Livre, Scandal). As duas dão um show de interpretações. Aliás, essa é uma das tônicas em Little Fires Everywhere, pois todo o elenco envolvido corresponde.

Com oito capítulos de cerca de 50 minutos, a série aborda o racismo estrutural de uma sociedade norte-americana dos anos 90. Mas para além do racismo, Little Fires Everywhere é uma série sobre maternidade. É sobre como pode ser frágil a nossa capacidade de julgar. E claro, é uma série sobre decisões e como as escolhas que tomamos em certa altura de nossas vidas acaba impactando para todo o futuro, seja para o lado positivo como o negativo.

Dualidades e relacionamentos

É incrível a força e a simplicidade que cada capítulo tem para nos mostrar algo comum em nossas vidas. Algo que não notamos facilmente, mas que invariavelmente podemos estar absorvendo de forma equivocada, ou mesmo agindo sem se colocar no lugar do outro. A tal da empatia, palavra mágica da nossa realidade contemporânea. Nossas relações com os filhos (ou com os pais). Nossas relações com os amigos, com irmãos. São tantas camadas que vemos por aqui que fica até complicado tentar elencar todas elas.

Pequenos incêndios, eles estão por toda parte

Em Little Fires Everywhere, vemos várias histórias e seus personagens iniciando de uma forma e terminando quase juntas. Ao invés de haver distanciamentos, elas se encontram. Culminam. A rica Elena (Reese Witherspoon), loira, jornalista (nas horas vagas) mãe de quatro filhos, casada com um advogado de sucesso, que vive em uma mansão em um bairro rico e descolado. Ela sempre projetou a vida dessa forma (com raras exceções) e faz de tudo para mostrar que tem a família perfeita para suas amigas. Aquela que parece sair de uma propaganda de margarina. De outro lado, Mia Warren (Kerry Washington), mãe solo, negra, artista plástica, que vive em condições quase precárias (mas ainda confortáveis se comparadas ao Brasil) que cria sua filha com liberdade, mas sempre entendendo que por causa da cor da sua pele, o mundo pode ser bem hostil.

Em um primeiro momento, a narrativa nos faz acreditar que tudo é bem binário. Um ou zero. Ou a personagem é boa, ou é má. Mas como na vida, não temos essa dualidade rasa. Não é preto ou branco. Temos sim, vários tons de cinza nessas relações e, invariavelmente, o roteiro vai nos pregar uma peça quando estivermos tirando conclusões precipitadas sobre cada uma delas. E aí vem o questionamento: Será que não tiramos essas tais conclusões precipitadas sobre as pessoas no nosso dia-a-dia? A nossa frágil capacidade de julgar.

Todos personagens importam

Mas as coisas ficam ainda mais interessantes, pois em Little Fires Everywhere, não temos só duas protagonistas. Todos personagens que as cercam tem o mesmo tipo de envolvimento e camadas. É aqui que notamos o competente acabamento com o roteiro, pois em uma primeira vista temos um tipo de percepção. Mas olhando os episódios uma segunda vez, pegamos detalhes que formam e dão ainda mais sentido para tudo que Elena, seu marido Bill (Joshua Jackson), e seus filhos Lexie (Jade Pettyjohn), Izzy (Megan Stott), Moody (Gavin Lewis) e Trip (Jordan Elsass) fazem, assim como Mia e sua filha Pearl (Lexi Underwood). Melhora ainda mais com as subtramas de Linda (Rosemarie DeWitt) e Bebe Chow (Lu Huang) e uma disputa pela maternidade da pequena May Linn/Maribelle.

Aquele duelo clássico de atuações com Reese Whiterspoon e Kerry Washington

Com o perdão da redundância, a trama nos faz automaticamente julgar ações e pessoas. Em algumas situações, vamos nos sentir dentro do programa Você Decide, da Globo. Os mais novos não vão lembrar, mas era uma pequena história (bem novelesca e polêmica), onde os telespectadores decidiam o final por meio de votação por telefone (!) – Depois de entregar a minha idade, foco na crítica! – Essas decisões nos colocam em momentos tensos, porque nem sempre a escolha entre A ou B é a mais certa. E, assim como na vida aqui fora, as coisas não são tão fáceis. Nem sempre um assunto terá apenas uma resposta.

No final, não espere um vilão

Por tudo isso, Little Fires Everywhere se torna uma minissérie que provavelmente vai figurar entre as nossas melhores do ano. Ela é baseada no livro homônimo de Celeste Ng, que não por acaso, foi criada no bairro Shaker Heights, em Ohio, local que é o pano de fundo da série. A localidade ficou famosa por sua integração racial (bem colocada na série) e seu excelente sistema público de educação. E por isso, ela cumpre um importante papel na trama, influenciando tudo que acontece por ali. O que pode parecer um sonho de bairro, no entanto, pode esconder alguns problemas sérios.

Infelizmente, Little Fires Everywhere não é uma série perfeita. Para muitos, o final poderá não ser o mais impactante possível, mas é claramente condizente com o que constrói: um jogo de intrigas amparado em mulheres que não são necessariamente mocinhas, tão pouco grandes vilãs. São pessoas normais, que, assim como nós, erram e acertam. E claro, faz parte do jogo insinuar que os pequenos incêndios espalhados ao longo de toda a história devem ter um, e só um, autor. Spoiler da vida: não é bem assim.

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