Quadrinhos

Jovens Vingadores, censura e HQs na aprendizagem: o que podemos aprender no caso Bienal

Patriota, Hulkling, Estatura, Gaviã Arqueira, Visão, Wiccano, Célere e Miss América forman um grupo de adolescentes que usam seus dons para deter vilões. Young Avengers ou Jovens Vingadores são histórias em quadrinhos (HQs) do Universo Marvel destinadas à adolescentes. Dessa turma, podemos destacar Hulkling e Wiccano.

Manipulador de probabilidades, Wiccano tem Feiticeira Escarlate e Magneto em sua árvore genealógica. Na história de Hulkling, temos Krees e Skrulls (como vimos em Capitã Marvel e em Vingadores). Mas por que estamos falando desses dois rapazes? Porque eles geraram polêmica. Hulking e Wiccano tem um relacionamento de longa data e isso parece incomodar uma parte do Brasil. Detalhe: 10 anos de sua publicação original, ou desde 2016, quando publicada oficialmente no Brasil.

Como o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, que viu um beijo dos dois dentro da HQ “Vingadores – A Caçada das Crianças” e resolveu fazer um vídeo repudiando a cena, durante a Bienal do livro, que estava acontecendo na Cidade Maravilhosa e tentando censurar o livro que traziam as HQs encadernadas

Leia mais: Linha do tempo sobre o caso Bienal

O prefeito do Rio de Janeiro e a Secretaria Municipal de Ordem Pública (Seop) disseram se basear no Estatuto da Criança e do Adolescente para notificar e, possivelmente apreender os livros com conteúdo considerado “impróprio”, o que não é o caso da revista em questão, como lembra Ítalo Bronzatti, advogado especialista em Direito do Consumidor. “O Estatuto da Criança e do Adolescente diz que as revistas e publicações destinadas ao público infanto-juvenil não poderão conter ilustrações, fotografias, legendas, crônicas ou anúncios de bebidas alcoólicas, tabaco, armas e munições, e deverão respeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família”, afirma o advogado. “O tema da homossexualidade não se enquadra de forma alguma em quaisquer dessas situações, tendo sido utilizado o ECA de forma inadequada pela Prefeitura do Rio de Janeiro”, explica.

Em nota, a Bienal afirmou que tem como objetivo “dar voz a todos os públicos, sem distinção, como uma democracia deve ser”. Bronzatti lembra que a diversidade está prevista em lei. “A Constituição Federal prevê como um dos objetivos fundamentais de nossa nação a promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Além disso, esse ano, o Supremo Tribunal Federal aprovou a criminalização da homofobia, sendo equiparada ao racismo. Portanto, houve censura por parte dos órgãos responsáveis”, fala Bronzatti.

Ato de Palanque

Questionado, o Professor de Relações Públicas da Universidade Feevale e Doutorando em Comunicação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Samyr Paz, avalia o ato como censura. “Acho que envolve censura e, sem dúvidas, é um ato político de palanque”, disse. O professor disse também que interpreta, em sua visão de Relações Públicas, como uma tentativa de promoção política. “Ele está tentando se promover na base reacionária de eleitores. Jogando com a opinião pública”, comenta Paz.

No evento, existia uma tentativa de apreender o material. Bronzatti lembra que essa prática só seria adequada caso desrespeitasse o ECA. “Se de fato houvesse algum desrespeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente, a fiscalização poderia ter tomado as providências necessárias para cessar qualquer prática abusiva. Todavia, o ato foi arbitrário e preconceituoso”, finaliza.

Impacto do pronunciamento do prefeito

Apesar de ter pego o Brasil todo de surpresa, os impactos do pronunciamento do prefeito do Rio de Janeiro não foram apenas negativos. Foi o representante do Executivo que tornou conhecida a HQ, como lembra Paz. “O curioso do caso é que ele também acaba por promover o próprio gibi, pois não fosse essa controvérsia muitas pessoas não iriam nem ficar sabendo da existência do material”, diz o professor.

Esse pronunciamento, no entanto, pode desencadear uma série de impactos negativos, segundo o professor de Filosofia, Gelson Weschenfelder, vencedor do Prêmio Jovem Cientista do Governo Federal por seu trabalho com Quadrinhos em Sala de Aula. “O impacto disso é que, infelizmente, abre precedente para que outros órgãos do Executivo façam determinadas coisas a respeito”, diz ele.

Importância dos quadrinhos para a aprendizagem

Apesar de estarem no centro desta polêmica, os quadrinhos são um objeto de comunicação com as crianças e adolescentes.  A pedagoga Sandra Pacheco afirma que os quadrinhos auxiliam na aprendizagem e na alfabetização. “As histórias em quadrinhos contribuem para despertar o interesse pela leitura e pela escrita nas crianças e para sistematizar a alfabetização pela forma que ela é apresentada”, fala. “A leitura de História em Quadrinhos faz com que os alunos tenham um bom rendimento nas escolas, possibilitando um melhor desempenho no processo de ensino e aprendizagem”, complementa.

O professor e filósofo, Gelson Weschenfelder concorda e amplia o debate. “As histórias em quadrinhos são usadas na sala de aula para introduzir alguns temas, e como introdução à vários outros aspectos científicos. Matemática, Física, muitas questões que podem ser usadas, como éticas e sociais, que são temas emergentes nas histórias em quadrinhos”, fala.

Para a psicopedagoga Liane Mosmann Nunes, a diversidade é importante e deve ser debatida com as crianças e os adolescentes. “Todos os livros e conteúdos devem ser discutidos com as crianças”. Liane lembra que “não é uma história em quadrinhos que vai determinar escolha sexual. ‘Há nelas outros conteúdos que não fazem das pessoas um Coringa, ou mesmo um Batman’.”

Sandra segue esta linha de raciocínio. “De forma alguma a imagem pode fazer alguma influência na formação de opinião ou mesmo incentivar o adolescente pois a orientação sexual vai muito mais além de uma simples imagem e deve ser respeitada”, diz. Já Weschenfelder lembra que “a representatividade sempre esteve presente nos quadrinhos”, desde sua origem.

Para os especialistas, então, as Histórias em Quadrinhos devem ser vistas como aliadas, e não como vilãs Porém, todo conteúdo deve ser supervisionado pelos pais e responsáveis. “Pais e educadores devem estar mais atentos ao que os filhos acessam na rede social e ampliar o diálogo”, alerta Liane.

Editorial

A Vigília Nerd é contra qualquer tipo de censura, preconceito (que inclusive é crime) ou pretensão que vá contra o mundo Nerd, que sempre foi plural e um lugar de amparo para todos os jovens. Nosso portal incentiva todo o tipo de inclusão social e diversidade. Como um veículo de mídia, a Vigília defende a liberdade de expressão e repudia toda e qualquer tentativa de censura.

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