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Game of Thrones: um desfecho gelado, para uma série quente

Quando terminou a sétima temporada e anunciaram que a volta de Game of Thrones seria somente em 2019, todos já imaginavam que produção e história seriam encaminhadas para o melhor desfecho possível. Em termos técnicos de produção, até pode ter sido (com as grandes ressalvas do episódio escuro), no entanto, quanto a arcos narrativos, a série liderada por David Benioff e D. B. Weiss, acabou não empolgando tanto. Cabe lembrar que, George R. R. Martin, o criador dos livros e das Crônicas de Gelo e Fogo, também assina como co-produtor da série da HBO. Curiosamente, a metáfora utilizando gelo e fogo também serve para traduzir o que foi a última temporada e a série inteira. Gelo e fogo, respectivamente.

Jon Snow e Daenerys Targaryen, a metáfora de Gelo e Fogo

Quanto a fenômeno cultural, Game of Thrones entrou em um patamar que poucas séries conseguiram. A trama que mistura política, guerra, Sete Reinos, magia, dragões, profecias e tantas outras coisas, conseguiu seu lugar de importância da cultura pop contemporânea. Seu ápice ocorreu entre 2012 e 2013, quando começou a parar as rodas de conversas pelos quatro cantos do mundo com suas narrativas polêmicas e reviravoltas constantes. Manteve o sucesso e a atenção de sua legião de fãs em 2014 e 2015, até que a série ultrapassou os livros, criando dificuldades talvez não previstas, ainda que a produção da HBO seja uma ‘adaptação livre’ das obras literárias. A temporada sete, de 2017, começou a destoar do restante da obra, o que culminou em uma lacuna em 2018, e o retorno agora em 2019, em uma nova temporada marcada pelo excesso de ações narrativas, ou seja, de desenrolar da história em um ritmo mais frenético.

A noção de tempo criada ao longo de seis temporadas se perdeu, e o que tivemos foram momentos que surpreenderam os fãs, resumindo situações, pulando possibilidades e não dando aquela riqueza de detalhes e desenvolvimento de personagens como se tinha visto anteriormente. Enquanto nas temporadas passadas cruzar um continente levava 10 a 12 episódios, Benioff e Weiss se viram obrigados a “introduzir o teletransporte”, para que personagens e núcleos se cruzassem o mais rapidamente possível. Cortes de câmera viraram viagens continentais e corvos e pombos viraram a internet de fibra ótica. A informação passou a circular com mais velocidade do que as fake news do último período eleitoral brasileiro.

Ótimos personagens, desfechos, nem tanto

E as grandes perdas de Game of Thrones impactaram em situações nem tão bem resolvidas. Para a season finale, optou-se por seis episódios. Ou seja, muita coisa teria que acontecer em pouco tempo de tela. Mesmo com capítulos um pouco mais longos, as tomadas de decisões finais não foram tão marcantes. Até mesmo situações incríveis, como a guerra entre vivos e mortos, tão aguardada desde a primeira temporada, ficou aquém. Vítimas de uma transmissão claudicante, o principal episódio sofreu duras críticas por mostrar uma batalha muito escura, onde muito não se viu muito, além de que em grande parte do mundo ela ficou com uma imagem um tanto estourada e pixelizada (ainda que o problema tenha sido resolvido no sistema de streaming da HBO Go). É claro, os fãs não perdoaram.

Outros dois personagens que tinham grande importância na história acabaram tendo uma relação que não vingou. Jon Snow (Kit Harrington) e Daenerys (Emilia Clarke) deveriam ser um casal que misturaria as noções de bem e mal, Gelo e Fogo, além do amor de um para outro. Mas tudo foi tão rápido que o público não conseguiu se apegar a esse arco da história. Por sua vez, outros que vieram a ter uma grande importância no final, foram esquecidos ao longo das últimas duas temporadas (como no caso de Bran Stark, interpretado por Isaac Hempstead Wright). Quando jogados a uma situação mais importante, também não corresponderam. Com tantas teorias pairando personagens e arcos narrativos na internet, a produção acabou deixando em aberto lacunas que poderiam sim auxiliar em vários momentos de tensão e de batalhas durante a última temporada. Quem não sonhou com Bran usando seus poderes para “wargar” em algum lobo ou mesmo dragão, não é mesmo? Ou mesmo ver Arya usando das mil faces para uma nova missão. Foram várias as deixas que foram ignoradas.

Arya Stark foi uma das personagens mais queridas da série

Os pontos altos ficaram com A Longa Noite, quando Arya Stark (Maisie Williams) mostrou os motivos de sua personagem crescer tanto, e com Daenerys, primeiro mostrando todo seu rancor, dizimando e fazendo uma verdadeira chacina em Porto Real, e finalmente tomando o Trono de Ferro, mesmo que por pouco tempo. Mostrou que a pequena Targaryen da primeira temporada se desenvolveu, mas, assim como a maioria dos tiranos, ficou cega com sua própria ascensão. O poder, que em Game of Thrones sempre foi o principal problema. E isso ficou novamente marcado com a fúria de Drogon destruindo o próprio Trono de Ferro, em mais uma cena linda.

Já os pontos baixos ficaram pela forma de apresentar as últimas resoluções. Não houve uma crescente de clima no último episódio, pelo contrário. O principal foi entregue na primeira metade, desvalorizando várias consequências. A primeira delas, a de um exército que tanto fez até ali, mas que aceitou apático pela perda de sua rainha; o passar do tempo entre mais um regicídio e a escolha, quase democrática, que colocou Bran, o Quebrado, como novo chefe dos Sete Reinos; Sansa (Sophie Turner) conseguindo o que queria, sem o menor carinho com o irmão mais novo, e a “punição” para Tyrion (Peter Dinklage), um dos melhores personagens de toda a série, e Jon Snow. O primeiro, fadado a ser eternamente a Mão do Rei, e o segundo, depois do segredo revelado de que seria o herdeiro legítimo ao Trono, sendo relegado ao exílio, novamente com a Patrulha da Noite. O problema até não foram as escolhas, mas a forma como foram apresentadas.

Com tantos percalços nas últimas temporadas, ainda assim, Game of Thrones fez história. Nos congelou no último instante, mas nos fez queimar por muitos e muitos anos. E vai fazer falta. Para muitos fãs, Gelo e Fogo nunca mais serão meros elementos, mas um resumo nobre do que foram quase dez anos de série.

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