CríticaFilmes

First They Killed My Father: A Daughter of Cambodia Remembers | Crítica

Angelina Jolie não desaponta em seu quinto longa como diretora

Olha que filme importante esse! Ele inova porque para além do conflito e dos mocinhos e bandidos da história real/oficial que aprendemos com os documentos (não vamos questionar a veracidade dos fatos aqui, foquemos no filme), ele trabalha de uma outra perspectiva, que eu não lembro de ter visto em outra produção, que é a das crianças na guerra. Não são os combatentes quem mais interessa, mas sim as agruras que uma família precisa passar para viver o estado de guerra e tentar sobreviver a ele. E, olha de novo, tem um prólogo excelente de apenas dois minutos que contextualiza o momento histórico e nos faz entrar direto na história. Prepara pro mergulho!

O mais louco é que é uma das primeiras vezes que assisto a um filme sem ler nada sobre, nem ver trailer, e isso atravessa diretamente a minha percepção dele. Digo isso porque eu estava tomando o filme como uma livre adaptação enquanto eu assistia. Teve aquela mensagem no início de “baseado em uma história real”, ao que eu sempre levo em conta o fato de que para o cinema algumas coisas funcionam e outras não, então quando adaptamos para a linguagem fílmica, transpomos ideias de modo a falar o mesmo conceito com outros signos. E ser “baseado” dá uma liberdade de criação para o lúdico e uma abertura à fantasia, deixando a questão em aberto do que de fato aconteceu com aquele personagem na vida e o que foi criado para o filme.

Então, compreendi o filme de uma maneira. No momento que assistia, os vinte minutos finais eram liberdade criativa e a história teria um fim mais trágico, na cena anterior. Todavia, depois do filme fui ler a respeito e vi que na verdade o filme é baseado no livro da protagonista que retrata sua história pessoal e, inclusive, o roteiro é assinado por essa sobrevivente, Loung Ung, juntamente com a própria Jolie. Este baque mudou muito o andamento de como percebi o filme e vou explicar essa questão: há um momento chave mais ou menos nos últimos 30, 25 minutos de filme em que há muita dramaticidade em cena e Loung encontra-se sozinha a vagar (isso não é spoiler porque ela vaga em vários momentos); então a tela escurece e passados uns segundos ela volta para um ponto a frente, ficando um vazio entre uma cena e outra; na minha leitura de filme, este para além seria um sonho, a idealidade que a menina gostaria que acontecesse. E em parte ele é, mas não de todo. Agora já deixo vocês avisados que o que parece sonho pode ser verdade e há beleza em memórias de guerra, pois alguns pontos podem se abrir com uma luz inesperada. Aliás, há uma bela metáfora de renovação mostrando que a vida é o próprio milagre.

Vale destacar que os sonhos estão presentes em meio à narrativa e eles são construídos com umas diferenças na fotografia para que percebamos o imaginário enquanto ele acontece. Nestes momentos, as cores ficam mais vibrantes e o azul e o amarelo ficam incrivelmente intensos. É ali que a menina se permite fantasiar, tanto com belas danças, quanto com massacres e mortes de entes queridos. Os sonhos são ora alívio, ora horror. A família composta por sete filhos, mãe e pai se despedaça ao longo do filme, e já sabemos que o primeiro que morre é o pai. Todos vítimas de um sistema opressor que dominava a tudo e confiscava liberdades e bens. Os indivíduos, nesse sistema, deveriam servir à causa de seu ditador vendendo uma ideia de que são todos iguais e que riqueza e pobreza não devem mais existir. Na prática, constituiu-se trabalho escravo e campos de concentração.

A luta da família é tão intensa que quando uma determinada personagem morre, ocasiona o seguinte diálogo (não são essas as palavras exatas, mas o sentido é esse):

“- Como é depois de morrer?

– Ocorre todo um processo e depois aquele espírito vai reencarnar.

– Espero que ele não precise voltar pra cá”.

No mais, você terá que conferir por você mesmo! Basta sintetizar que é um belo retrato de outro lado da história, um que é apagado, pois geralmente vemos apenas a visão dos adultos e é como se as crianças não estivessem presentes nos conflitos. Em tempo, o núcleo infantil é espetacular! Todas as atuações estão de acordo com o que a narrativa demandava, mas as crianças dão show à parte. Em especial, claro, a menininha protagonista, interpretando uma Loung Ung de 7 anos, a Sareum Srey Moch – aplausos para essa garota, ela é muito expressiva! E, ah, o filme não é em Inglês, é no idioma do Camboja, o que torna as coisas mais convincentes (e legais).

First they killed my father está disponível na Netflix e teve sua estreia em setembro.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *