CríticaFilmes

Fahrenheit 451, o remake que não incendeia | Crítica

O mundo de quem aposta em remakes por vezes pode ser ingrato. Muita gente já torce o nariz só por saber que uma nova adaptação de uma obra, às vezes clássica, outras nem tanto, pode ganhar uma outra roupagem. Muitas vezes esses remakes ganham grandes proporções, fazendo valer o investimento. Mas há outras em que realmente a ideia poderia ter sido deixada de lado. É o que acontece com a novidade Fahrenheit 451, dirigido por Ramin Bahrani? No momento não consigo cravar uma resposta, mas é fato que, mesmo se considerando um filme feito para a TV, com produção caprichada da HBO, a proposta resvala em um comparativo direto e injusto. Isso porque a obra inspirada no livro homônimo de Ray Bradbury acaba batendo de frente com sua primeira versão cinematográfica lançada em 1966, por ninguém menos que François Truffaut (Os Incompreendidos e Beijos Proibidos). Era uma batalha perdida, mas o filme traz uma mensagem sempre importante.

O filme da HBO estreou no catálogo do canal no dia 19 de maio. No elenco temos Michael B. Jordan (Pantera Negra, Creed) como protagonista. É dele a nova encarnação de Montag, um dos bombeiros pagos pelo governo para queimar livros. Seu chefe é o sempre malvadão Michael Shannon (A Forma da Água, Animais Noturnos), que interpreta o capitão Beatty. A versátil Sofia Boutella (Atômica, A Múmia) é Clarisse, uma informante que faz o jogo duplo entre os agentes do governo e os libertários. Num futuro distópico, os rebeldes são aqueles que pregam o pensamento livre, os letrados que tentam, no submundo, cultivar a leitura e incentivar as pessoas a terem suas próprias ideias. E isso é claro, conflita diretamente com um governo que faz a lavagem cerebral para que todos ajam da mesma forma, sem questionamentos, nos clássicos efeitos manada. Uma metáfora válida para diversos temas da sociedade. Afinal, Ray Bradbury criou um clássico literário e atemporal, saído da Era McCarthy, onde algumas frentes já começavam a queimar livros e publicações que eram tidos como “influências ruins”. Na cultura pop esse tipo de “afronta” também já aconteceu com as histórias em quadrinhos, o rock’n roll e outras produções culturais. E claro, você vai achar vários paralelos até mesmo com algumas questões aqui no Brasil. Alguém aí lembra de youtubers queimando livros? Ah, pois é.

Michael Shannon e Michael B. Jordan não esquentam tanto o clima quanto no original

Mas voltando para a nova versão de Fahrenheit 451, perdemos muito na condição de impactos. Michael B. Jordan e Michael Shannon acabam não segurando as pontas e não temos o sentimento de revolta visto no original. Aliás, fica a dica para buscar o filme clássico. Ainda assim, a crítica à sociedade e da mídia fica registrada. Já parou para pensar em quanto os conteúdos fáceis e digeridos pela TV e pelo rádio te fazem agir de forma uniforme? Pois é disso que Bradbury falava já nos idos dos anos 50. Algumas adaptações em relação ao filme de 60 são interessantes. Se no filme de Truffaut temos a TV como ‘ente’ que vai moldar a sociedade, agora são as redes sociais e as interações diretas que modulam o “consciente” coletivo. Em uma cena fica marcante essa construção, onde as pessoas votam com coraçõezinhos e likes pela queima de livros apreendidos. Fica nítida também a crítica política com a frase “Burn for America Again”, com a relação direta ao presidente Trump “Make America Great Again”.

Infelizmente, Fahrenheit 451 de 2018 não terá o impacto do a obra-prima dos anos 60, reduzindo um pouco da discussão. A construção dos personagens é rasa, sem que realmente o espectador se importe com tudo que está acontecendo. Mas vale pela lembrança dessa crítica e da possibilidade de assistirmos novamente o filme dirigido por Truffaut. Na dúvida, assista aos dois e faça você mesmo a sua comparação. O exercício será no mínimo interessante.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *