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“Eu Nunca” segue acertando em cheio

“Eu Nunca”, série da Netflix, criada pela estrela Mindy Kaling, segue acertando em cheio!

De garota excluída à garota que entra em um triângulo amoroso com o cara mais bonito da escola e o cara mais inteligente da escola… Acho que Devi (Maitreyi Ramakrishnan), a nossa protagonista, chegou onde queria chegar, não é mesmo? Neste segundo ano de “Eu Nunca” a história segue em volta dos mesmos núcleos: Devi e suas amigas Fabiola (Lee Rodriguez), Eleanor (Ramona Young), sua família e os dois garotos em sua vida: Ben (Jaren Lewison) e Paxton (Darren Barnet).

https://youtu.be/5YaVfwIG9MI

“Eu Nunca”, no entanto, segue acertando em cheio ao retratar uma adolescência mais real e relacionável ao espectador. O seu diferencial está em conseguir fazer isso de maneira efetiva, com boas pitadas de humor e até de uma certa canastrice. O ponto é que nem sempre é preciso se aprofundar tanto nas questões para deixar um bom recado e fazer a diferença.

Nessa temporada, por exemplo, temas como anorexia, relacionamentos tóxicos e identidade sexual foram mais abordados, além, é claro, das pautas anteriores, como racismo, luto e família. Mais do que isso, esta segunda temporada também acerta no desenvolvimento de personagens, principalmente no que diz respeito à Devi. Por mais que continue cometendo erros, explodindo de raiva e se desentendendo com todos ao seu redor, ela busca ser melhor, crescer e se conhecer. Ela começa a entender o seu próprio valor e também o das pessoas ao seu redor. Suas decisões um tanto questionáveis são mais do que aceitáveis, uma vez em que compreendemos que se trata de uma adolescente que recentemente perdeu o pai de maneira traumatizante. É a forma com que ela começa a lidar com essas situações que transforma a sua jornada.

Assim como em Atypical, série da Netflix que recentemente chegou ao seu fim, “Eu Nunca” traz a visão de que os jovens também podem ter dificuldades de se encaixar e de entender a complexidade dos novos momentos: lá Casey (Brigette Lundy-Paine), aqui Fabiola. Ambas buscam entender o seu lugar na comunidade queer e, mais do que isso, o seu lugar no mundo. E acompanhar essas buscas (e, consequentemente, encontros) traz um calorzinho no coração.

A família de Devi segue também sendo um ponto importante na trama. Além de trazer mais sobre a cultura indiana, bota personagens femininas em destaque, trazendo também, a sua avó paterna para dentro da história. A mãe, Nalini (Poorna Jagannathan), ganha mais espaço e podemos entender um pouco mais sobre a conturbada relação entre mãe e filha, que avança aos poucos, ao passo que também podemos vê-la individualmente, como uma mulher viúva e trabalhadora.

A prima Kamala (Richa Moorjani) também tem o seu espaço, mostrando que, assim como Devi costuma fazer, às vezes é preciso sim bater o pé pelo que se quer e não deixar com que ninguém tire proveito do que é seu. A partir de sua história, também temos um paralelo com a história de Nalini e Mohan (Sendhil Ramamurthy), pais de Devi. Assim como visto em um flashback do passado, o casal já teve problemas com a questão de Nalini ter sido mais bem sucedida profissionalmente do que o marido. Mesmo sem saber sobre esse caso, em seguida, vemos Kamala repensar o seu relacionamento, a partir do momento em que percebeu que o seu parceiro não lhe dava o suporte que ela precisava. São construções de narrativa como essa que abrilhantam a série.

Além disso, temos mais uma adição feminina ao elenco. Megan Suri aqui é Aneesa, uma nova aluna, também de família indiana, que surge como antagonista à Devi. Este é outro ponto onde a série acerta. O ciúme de uma aluna nova, que parece ser uma versão “melhorada” da protagonista (segundo ela mesma) é completamente normal, mas a trama evolui a ponto de mostrar que rivalidade feminina gratuita não faz sentido algum. É com Aneesa também que surge a pauta da anorexia, o que leva, ao final de alguns episódios, à uma mensagem na tela sugerindo ajuda a quem estiver passando por esse tipo de situação.

Megan Suri é Aneesa, nova personagem de “Eu Nunca”

Outra questão abordada foi a da insegurança masculina. Por alguns momentos, podemos conhecer um pouco mais de Paxton. Sim, ele é o garoto mais bonito da escola, o capitão do time de natação, o mais cobiçado. No entanto, vamos tendo a chance de vê-lo questionando sua inteligência e suas capacidades. Mais do que isso, vemos aqui o garoto estrela se abrindo às possibilidades, ignorando a opinião de colegas e saindo de sua zona de conforto. Pode ser algo pequeno, mas que representa muito para a forma como as figuras masculinas são representadas na televisão, principalmente para um público mais jovem.

Talvez o único ponto em que “Eu Nunca” realmente falhe é em, por vezes, ser meio preguiçosa em desenvolver melhor a construção de algumas tramas. Por mais bem intencionada quanto ao rumo para onde queria levar o telespectador com esses plots, acaba buscando soluções fáceis demais para alguns caminhos. Paxton precisa fazer um trabalho sobre sua família? Olha, um diário antigo de seu avô largado literalmente do seu lado. São coisinhas pequenas, que podem até passar meio despercebidas, mas que somadas geram um certo constrangimento, como se não houvesse tempo suficiente para desenvolver um pouquinho mais a ideia.

Com exceção disso, “Eu Nunca” acaba se firmando como uma das melhores séries adolescentes atuais da Netflix, trazendo muito girlpower, pluralidade, diversidade, uma trama relacionável e muito divertida. Que venha mais uma temporada!

Veredito da Vigilia

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