Filmes

Entrevista da Vigília: Pablo Giorgelli

Falamos com o diretor de Invisível e Las Acácias e vencedor do Camera D’or em Cannes em 2011

Vencedor do Camera D’or em Cannes no ano de 2011, o diretor argentino Pablo Giorgelli está lançando seu segundo filme: Invisível. A obra, que contou com uma turnê especial do cineasta pelo Brasil, traz de forma sensível e orgânica uma história de “pessoas que não podem se defender do atual modelo político e social”, como ele mesmo defende. E durante o trabalho de divulgação, a Vigília Nerd teve o prazer de entrevistá-lo, conhecer um pouco mais da profundidade do filme – a nossa crítica você lê aqui – e também dos projetos futuros de Giorgelli.

Na clássica cafeteria da Cinemateca Capitólio, um lugar lindo do Centro Histórico de Porto Alegre, ele atendeu o repórter Robson Nunes, destilando simpatia. Só parou de falar quando foi interrompido pela sua equipe. Era dia de estreia de Invisível e ele abriria o evento, que teria ainda uma sessão comentada.

Pablo Giorgelli em entrevista para a Vigília Nerd em Porto Alegre

Robson Nunes – Em Invisível, muitas vezes a mensagem é passada sem que haja diálogos. O espectador sente o que a personagem Ely está passando quando o mundo ao redor dela gira e percebemos o som do que está ao seu redor. Como você chegou a esta forma criativa de contar a história?

Pablo Giorgelli – É um processo. Chegar no ponto do filme é atravessar um processo. Primeiro com ideias, notas, textos, roteiros, escolha de atores, set e tudo mais. O processo desse filme foi se encontrando. Foi trabalhoso, mas em um momento encontrei que a história seria contada por Ely (a personagem do filme). Ela traria sua história da sua própria forma e seus conflitos. E chegou ao momento que o diretor precisava desaparecer. O maior desafio do meu trabalho foi passar o mais despercebido possível nessa construção. Eu não existo, o diretor não existe. E isso se traduz em todos os momentos. E com isso, começam a aparecer outros elementos que aumentam o conflito de Ely. O contexto político social, a classe, o bairro. E tudo isso vai delineando o filme. Vou muito pela intuição, o momento. Muitas vezes a forma é parte do todo e não só uma questão estética. Aqui a questão política e social deveria estar muito presente, mas não em primeiro plano. O jogo que existe através do som, dos meios, do mundo adulto, dos médicos, dos professores, ausência e presença sonora quase permanente era bem importante para o filme e me custou bastante achar este ponto. Mas tudo isso tem uma influência direta no conflito de Ely.

RN – Em Invisível você fala de muitos temas importantes, sem sobrepujar um ou outro. Como você identifica a temática de Invisível?

Pablo Giorgelli – A temática aqui é a adolescência. É a incomunicação, ou falta de comunicação, a solidão e o desamparo durante uma etapa importante da vida que é a adolescência. Não diria que é um filme sobre a ilegalidade do aborto. Isso é um elemento que empurra a história, a trama, mas o filme não é sobre isso. Ele é uma circunstância da personagem. Para mim o filme é sobre o desamparo em uma etapa chave. O desamparo de algumas famílias, de uma determinada classe popular que não podem se defender de um contexto político e social em que estão submergidos. Este contexto é um modelo social e econômico que vivemos – tanto no Brasil quanto na Argentina -, pois nesse momento vivemos momentos muito parecidos. Em alguns casos, esses contextos fazem com que as pessoas se isolem, e a única coisa que podem fazer é se fechar, se deprimir, elas não podem se defender. Esse panorama e local, que é muito difícil sair, era o que me interessava. Então o que eu queria contar era justamente como o momento político e social impacta nas pessoas com menos recursos. E isso tudo contado da ótica da adolescência, e como ela afeta tantos de nossos adolescentes. E no momento em que a personagem percebe que está grávida pergunta: O que eu faço? E aí aparece a possibilidade de aborto ou não, mas não é aqui que o filme começa. E isso também tem a ver com o contexto político e social, caso contrário ela não passaria por tudo que passa. Além de tudo isso, o filme fala de muitas outras coisas.

RN – Muitas coisas na produção (Invisível) são inconclusivas, assim como no nosso dia a dia, nas nossas vidas. Você acha que isso ajuda a passar ainda mais dramaticidade?

Pablo Giorgelli – Pra mim era importante chegar a um final orgânico e que fosse verdadeiro com a história de Ely, com seu lugar e com sua realidade. Não um final meu, do diretor. Ela deveria contar seu final. A decisão que ela toma (não vamos contar aqui, é claro) tem a ver com sua própria realidade. O desenlace é duro, não é algo fácil. Não sei o quanto tem de positivo, ou negativo. O filme acompanha, a segue, ela é um texto só, eu desapareço. O centro do filme é o conflito interior. E não quero julgá-la. Tento não julgar, mas observá-la, acompanhá-la, entendê-la e não concluir algo. Não há condenação. Tenho minha impressão pessoal sobre o assunto, mas não é essa a intenção. É um filme direto, simples, sem truques, com uma linguagem popular. É um filme que pode ser mostrado para qualquer pessoa. Que não é hermético. É um filme que se pode ver e entender por pessoas de todos os contextos.

RN – Agora mudando de assunto, você esteve em Cannes e este ano tivemos uma polêmica interessante por lá, que foi a questão da distribuição dos filmes. A Netflix lançou o filme Okja, e ao ter se logotipo exibido na tela foi recebido com vaias, por ser cinema que não vai para o cinema. Qual sua posição sobre esse tipo de distribuição de cinema?

Pablo Giorgelli – De algum modo me formei na velha guarda. Pessoalmente o que mais quero é que os filmes sejam vistos no cinema. Mas isso cabe ao objetivo de cada filme. Se filmes são feitos para a Netflix, que sejam mostrados nesse contexto. Mas Invisível é um filme para se ver no cinema. Para não perder todo o trabalho que está em volta, a experiência coletiva. Se você ver em uma sala de cinema é muito melhor. Não sou contra o formato Netflix, não me parece ruim, mas cada filme tem que pensar muito bem para onde vai ir e qual seu propósito. Os festivais de cinema tem seu dever e função chave e devem seguir nas salas, sem mandar links, ou algo do tipo.

RN – Indique um diretor argentino e um brasileiro de sua preferência, e um filme de cada um deles, por favor…

Pablo Giorgelli – Gosto muito do Leonardo Favio e Crónica de Un Niño Solo. Ah, poderia escolher mil, essa situação é uma armadilha…(risos). Tem também Lucrecia Martel y La Ciénaga (no Brasil é O Pântano), são tantos… e brasileiro gosto muito de Glauber Rocha, com Deus e o Diabo na Terra do Sol, mas infelizmente só conheço o cinema brasileiro por festivais, pois eles não tem grande inserção na Argentina e em Buenos Aires.

RN – Você tem algum outro trabalho já em desenvolvimento?

Pablo Giorgelli – Sim, já estou desenvolvendo um novo filme que trará um pouco da história da Argentina. É sobre um grupo de marinheiros de guerra que fica preso em um submarino durante a Guerra das Malvinas. Será um trabalho duro, mas que está me motivando bastante. Ainda não temos nome, mas uma grande gana de contar essa história.

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