Duas de mim | Crítica
A dita “comédia” é dirigida por Cininha de Paula e entra em cartaz no dia 28 de setembro de 2017
Tem a sinopse que o filme dá (aquela oficial, que acompanha a divulgação) e a que eu faço depois de ver. Geralmente elas não batem muito, mas esse filme em especial dá muito errado. O que a produção diz é que o filme é sobre Suryellen. “Uma mãe solteira que precisa sustentar o filho adolescente, morando também com a irmã e a mãe (ambas inconvenientes). Ela é cozinheira e sonha em ser chef, mas não tem tempo livre para ser feliz, até que seu caminho cruza com uma mulher misteriosa que a concede um ‘bolo do desejo’. Ela come e cria uma cópia dela mesma”. O que era pra ser uma temática central de superação e força feminina é na verdade suplantada por estereótipos e ridicularização de pessoas. Para demonstrar a força da protagonista (interpretada por Thalita Carauta), o artifício utilizado é a desvalorização de várias outras mulheres e a criação de personagens que reforçam estereótipos próprios do machismo, personificando mulheres interesseiras, aproveitadoras, deslumbradas e livres (estas “mais livres” ocupam papel de sem noção). Vale lembrar que este é um filme dirigido por uma mulher, então fica estranho todo este tipo de construção.
Os momentos dramáticos do filme são de chorar, mas não de emoção por envolvimento com a narrativa e proximidade com os personagens, mas de raiva e vergonha alheia. Isso porque fica difícil até mesmo pensar que essa ideia virou filme. As atuações são carregadas, tal qual os mais duvidosos programas de humor da TV. Os trejeitos são muito forçados, e aqui dois exemplos: a rica com cara de nojo que remete à ideia de madame e o gay espalhafatoso exagerado. O núcleo principal não convence e os atores chegam a dar a impressão de que não estão levando tudo aquilo muito a sério. Suryellen (Thalita Carauta) não consegue ser interessante, e quando ela tenta demonstrar algum tipo de aflição e tristeza, continua sem envolver o espectador e sem conseguir mudar suas expressões. A mãe (Maria Gladys) e a irmã (Letícia Lima) também se perdem em caricaturas e não estabelecem nenhuma conexão com quem assiste. O único dos que têm mais destaque que consegue comover minimamente é surpreendentemente o personagem interpretado pelo cantor Latino (isso mesmo!). Chicão, que dá vida ao cover dele mesmo, e consegue levar a crer que ele sente e vivencia suas falas e ações.
A referência que o filme faz, principalmente na cena final, a contos de fadas é risível e a ideia se perde. A produção também perdeu uma boa chance de debater oportunidades e questões de classe. Aliás, a trilha sonora não cola, a fotografia não se destaca, o roteiro deixa a desejar e o entretenimento passa longe. Isso tudo é sintomático e até recorrente nos filmes brasileiros de maior alcance de público e espaço na mídia, tal como Os Penetras 2 – Quem dá mais?, quando a produção acaba se construindo sem caráter de filme em si, mas um mero capítulo de novela ou um quadro do Zorra Total.
Humor mexe com o imaginário e pode fazer o espectador construir criticamente a partir do que consome, e isso é muito importante. Pode até ser descompromissado ou despretensioso, mas é muito melhor quando tem algo a dizer. Quando cria sentido a partir da leveza e propõe crítica social. Mas Duas de mim é preconceituoso. Desfaz das pessoas comuns. Reforça um imaginário totalmente negativo de algumas profissões (no caso os trabalhadores da construção) e trata como aberração o nanismo (a anã do filme é uma louca tratada como coisa, não como gente). Rotula a tudo e a todos. Não vale nem para passar um tempinho sem pensar muito, nem como desculpa para comer uma pipoca. É um ato de coragem assisti-lo até o fim. A não ser que você goste de filme que faz piada a partir de “imperfeições”, deficiências e estereótipos – nesse caso, vá em frente.