Depois a Louca Sou Eu é uma crônica divertida e angustiante sobre a vida
Tati Bernardi, escritora conhecida por falar da vida cotidiana com seu humor ácido, lançou diversos livros autobiográficos. Com crônicas sobre suas relações, ela já arrebatou o público em peças de teatro e nos cinemas, lançando o agora Depois a Louca Sou Eu, inspirado em seu livro homônimo.
Nele, conhecemos Dani, vivida por Débora Falabella, uma personagem complexa e muito real. Publicitária e aspirante à escritora, Dani parece ter uma vida perfeita. Mas de perto, vemos que não é bem assim. Afinal, se você tiver entre vinte e poucos e trinta e poucos anos, você conhece muitas Danis. Inclusive, não vou me surpreender caso você se identifique com ela. Afinal, ela é ansiosa. E essa ansiedade dita as regras do seu próprio dia-a-dia. Com pensamentos catastróficos e frequentes crises, ela deixa de viver ou vive sempre apreensiva, mas, muitas vezes, é o seu humor ácido que a tira de diversas situações complicadas.
O filme é ousado em falar dos transtornos psicológicos causados pela ansiedade, mostrando terapia e diversos ansiolíticos popularmente conhecidos, sem fazer apologia à eles, muito menos demonizá-los. Dani mostra que, para pessoas ansiosas, situações do cotidiano, como viajar para a praia na passagem de ano com o namorado, pegar um voo a trabalho e até mesmo ir na sua própria festa de aniversário pode ser um grande desafio.
Débora Falabella entrega uma ótima Dani. Sua interpretação nos faz sentir a angústia, o desconforto, o desespero. É inclusive necessário fazer um alerta para quem já teve crises de pânico e ansiedade: em algumas cenas, parece que vamos sufocar junto com a atriz. O recurso da narração é bem explorado e encaixou bem com a temática.
Depois a Louca Sou Eu é um bom filme de cotidiano. O texto é muito bom, os diálogos são interessantes, mas o destaque se dá mesmo para a direção e para montagem, ágil e muito bem feita. Com microcenas de poucos segundos, entramos em um ritmo frenético que parece que estamos dentro da mente de Dani, dentro de todo caos que ela cria.
É preciso destacar a atuação de dois atores: Yara de Novaes, a mãe de Dani (em um papel totalmente diferente do que vimos em Shippados, como mãe de Rita) e Gustavo Vaz (Coisa Mais Linda), o namorado dela. Os dois são personagens muito importantes na narrativa e mostram como cada indivíduo é complexo e carrega seus dilemas e suas marcas.
Esses dois relacionamentos que mais impactam na vida de Dani. Com Gilberto, Dani pode ser quem ela realmente é, tendo em vista que ele a acolhe e entende o seu sofrimento, já que sofre tanto quanto ela. Mas é com a sua mãe o seu relacionamento mais longo e delicado. Em flashbacks, vemos que a menina criada no bairro do Tatuapé, em São Paulo, na casa dos avós depois que seus pais se separaram, já apresentava questões desde a infância. O medo de barata, o medo da separação e da rejeição moldaram diversas crenças que ela levou para a vida adulta. E a relação que ela tem com a mãe é uma dessas. Apesar de ser bem resolvida financeiramente, ter uma ótima carreira, Dani ainda não saiu do ninho. Precisa da mãe e isso influencia totalmente seu cotidiano, já que é uma adulta que tem dificuldade de administrar sua própria vida e bancar suas decisões.
Dirigido por Júlia Rezende, Depois a Louca Sou Eu é um filme feminino, tendo sua produção formada grande parte por mulheres e isso fica claro no resultado final. Júlia, inclusive, entrega um ótimo trabalho e parece ser uma promessa para a comédia nacional.
Depois a Louca Sou Eu é uma comédia sobre jovens cansados, sobrecarregados, que sofrem de ansiedade e que, mesmo assim, são excelentes profissionais, amigos divertidos e filhos dedicados. É uma comédia sobre a nossa geração. Apesar de cair em alguns clichês, o filme mostra que é necessário ter mais empatia e, principalmente, repensar o cotidiano.