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Casamento às Cegas só vale para quem é padrão?

Recentemente, chegou a segunda temporada de Casamento às Cegas Brasil na Netflix. A ideia do programa, que se chama de experimento, é que o casal se apaixone apenas pela conversa, que acontece dentro de cabines. Até aí, a ideia é muito parecida com aplicativos de namoro, certo? Afinal, apesar das fotos no Tinder ou até mesmo na foto de perfil do Twitter, o que faz com que a gente tope um encontro com a outra pessoa é o papo. E sempre existe uma insegurança na hora de conhecer pessoalmente alguém que você passou horas e horas conversando. Principalmente se você for, assim como eu, uma mulher gorda.

Esse texto vai conter spoilers da segunda temporada de Casamento às Cegas

Vamos voltar um pouco. Quando eu peço para você imaginar alguém. Descrever uma pessoa pela voz, você imaginaria ou descreveria que essa pessoa é gorda? Pois é. Este ano, a produção do programa, assim como a versão americana, resolveu incluir mulheres gordas no elenco. E os homens do outro lado esperavam uma mulher padrão. Na primeira temporada, em que todas as mulheres eram magras, não vimos nenhuma rejeição na passarela. Ninguém deixou de beijar ou de pedir em casamento na hora em que se viram.

Mas nessa temporada, tivemos. Pela primeira vez. E quem foi rejeitada? A mulher gorda. Em sua fala, inclusive, ela até comenta que isso não é surpresa. Não é a primeira vez. E talvez você, que esteja lendo esse texto, não consiga entender a profundidade disso. Quando somos mulheres gordas e solteiras, sabemos que vamos precisar lidar com a rejeição. Afinal, o “manda foto de agora” e “nossa, nunca transei com uma mulher gorda” são recorrentes. A gente tem medo. De encontrar pela primeira vez. De sentir novamente essa rejeição. De escutar comentários maldosos sobre o nosso corpo.

Amanda foi a primeira pessoa rejeitada na passarela do Casamento às Cegas da Netflix
Amanda foi a primeira pessoa rejeitada na passarela do Casamento às Cegas da Netflix

Meu atual relacionamento começou pela internet e ver a rejeição da Amanda me lembrou de todos os medos que tive antes do primeiro encontro. Mas a minha sorte foi que não existia um Paulo no meu caminho, que não sabe lidar com uma mulher belíssima, mas fora do padrão de beleza que tinha construído para ela. Não precisei escutar que eu era “muito poderosa” e que ele “não daria conta”, como Amanda precisou ouvir.

Contudo, eu já passei o que ela passou em outros momentos da minha vida. Já tive matchs desfeitos quando descobriram meu peso ou unfollows quando fui encontrada no Instagram. Já tive relacionamentos que não foram para frente porque, muitas vezes, a mulher gorda só serve para dentro de casa. Muitos homens não têm a coragem de apresentar a mulher gorda para sua família ou amigos. É só fetiche. É passatempo.

E, com essas, assim como a Amanda, ficamos calejadas. Temos medo. Esperamos o pior. Nossa autoestima é minada. Não consegui passar do terceiro episódio da segunda temporada de Casamentos às Cegas porque ele mostrou, mais uma vez, todas as inseguranças que eu ainda tenho. Significa muito a única mulher rejeitada no momento em que deveria ser o primeiro encontro deles ser gorda. Afinal, mostra que o experimento até pode funcionar – se as duas pessoas forem dentro do padrão de beleza estipulado pela sociedade.

A gordofobia da série interrompeu meu sossego nas férias e eu realmente não gostaria que esse gatilho fosse tão forte. Que outras Brunas, Amandas e mais mulheres gordas possam parar de passar por isso.

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