CríticaFilmes

Até os Ossos: uma road-trip canibal

“Até os Ossos” (Bones and All) é o novo filme de Luca Guadagnino, o cineasta italiano que ficou reconhecido mundialmente pelo marcante “Me Chame pelo seu Nome”. Apesar de manter a temática vista no longa de 2017 – relacionamentos, autoconhecimento e amor – agora o enredo e o contexto são completamente diferentes. Estamos diante de uma verdadeira road-trip canibal. E isso, não se engane, é um tanto quanto literal. E é o que faz de “Até os Ossos” ser tão incrível e diferente de tudo que você já viu.

Na exibição para a imprensa, o diretor fez questão de agradecer (em vídeo) a todos que continuam levando o seu amor e sendo fiéis às salas de cinema. O agradecimento, quase um apelo, é completamente compreensível, pois cada vez mais, as telonas estão sendo procuradas somente para grandes filmes-eventos e os blockbusters cheios de pirotecnias. Puritano que sou, assino embaixo no agradecimento de quem ainda valoriza a sessão na sala escura. “Até os Ossos” é com certeza ainda mais intenso nessa experiência coletiva que é o cinema. Para encerrar essa prolongada introdução, ainda é preciso pontuar: vá ao cinema se você não tiver problemas em ver sangue e… canibalismo.

Taylor Russell em Até os Ossos
Taylor Russell é Maren e precisa amadurecer e entender sua real condição em “Até os Ossos”. Cred: Yannis Drakoulidis / MGM Pictures

Até os Ossos tem roteiro de David Kajganich, que já trabalhou com Guadagnino na adaptação de Suspiria: A Dança do Medo (de 2018, está disponível no Prime Video) e também em Um Mergulho no Passado (de 2015). O longa é baseado no romance de Camille DeAngelis, Bones and All. Outro que repete sua parceria com o diretor italiano é o astro quase que onipresente Timothée Chalamet (Não Olhe para Cima, Duna), que vive o jovem Lee. Mas é a jovem atriz Taylor Russell (dos dois filmes Escape Room e da série da Netflix Perdidos no Espaço) quem rouba a cena.

Timothée Chalamet em Até os Ossos
O onipresente Timothée Chalamet é Lee em “Até os Ossos”.

Vivendo Maren, Taylor Russell nos entrega uma protagonista contida, mas muito adequada pela sua própria busca. Ela precisa entender quem ela é. Mas nada é simples quando você precisa entender que, dentro de sua essência, carrega uma condição um tanto quanto fora da curva. A metáfora, é claro, pode ser lida por outro viés, mas Luca Guadagnino faz questão de deixar aqui, tudo muito visceral. Logo na apresentação de Maren, entendemos que não veremos uma história nada convencional. Ela é uma jovem, quase adulta, canibal. E, assim como outras tribos, vemos que ela não está sozinha no mundo. Da mesma forma que quem deveria ampará-la e procurar entendê-la, assim como em vários outros casos, acaba lhe abandonando. 

Luca Guadagnino dirige um filme literalmente visceral em Até os Ossos
O diretor Luca Guadagnino em ação.

Com uma fita gravada pelo pai, ela embarca em uma road-trip. E leva a crer que ela será solitária, mas não será. Ela busca respostas por sua condição nas pistas que lhe são deixadas sobre quem é a sua mãe e parte da família que ela nunca viu, nunca teve. Essa história de amadurecimento vai nos apresentar a um universo fictício bem interessante e com algumas regras bem pré-estabelecidas. Os canibais existem, e até mesmo é possível se reconhecer pelo olfato. Estranho não? Pois bem, na tela é ainda mais. Mas tudo sempre jogando a favor da história.

Até os Ossos e seus personagens estranhos
Mark Rylance é Sully, o personagem mais estranho da história.

Nesse cruzamento de pessoas da mesma tribo temos então a excelente participação de Mark Rylance (Os Sete de Chicago, Dunkirk), fazendo um personagem tão excêntrico quanto o próprio filme, e Lee (Timothée Chalamet), mostrando para Maren que canibais também podem amar. E nesse amor teremos ainda mais relações visuais e – posso escrever viscerais novamente aqui? – enfim, cinema é o casamento de som e imagens, não é mesmo? E Luca Guadagnino, não por acaso, foi premiado em Veneza por conseguir orquestrar tudo isso em tela sem parecer piegas, clichê, gore, ou mesmo trash. É realmente impressionante o que ele conseguiu fazer com essa história. Novamente alerta de gatilho: não é para qualquer um.

Mais do que descrever o filme, ou tentar, o que importa aqui é destacar que Até os Ossos consegue, em duas horas e 10 minutos, nos impressionar de várias maneiras. E por isso, vou reforçar o que o próprio diretor mencionou. Valorize a experiência. E assista no cinema.

Veredito da Vigilia

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *