A Baleia é o cinema simples e complexo de Darren Aronofsky
Darren Aronofsky e Brendan Fraser. Essa dupla se uniu para entregar ao público A Baleia (The Whale) que estreia nos cinemas brasileiros no dia 23 de fevereiro. E é impossível não criar expectativas com estes dois nomes. Afinal, o hiato de Fraser e o bom cinema de Aronofsky criam promessas que são (totalmente) cumpridas durante a exibição.
Em A Baleia, acompanhamos uma semana de vida de Charlie (Fraser). Um professor de inglês que vive isolado em seu apartamento. Charlie convive com a sua obesidade mórbida, uma tristeza latente e uma saudade do passado. Quem o ajuda a viver é Liz (Hong Chau), sua amiga enfermeira.
Ao acompanhar a rotina de Charlie, começamos a fazer parte dela. O apartamento escuro e antigo, cheio de livros na parede, vira personagem do filme. Estamos sufocados. Cercados de poeira, de tristeza, de saudade. E tomados por uma angústia imensa. Durante 1h57min, vivi uma angústia que não era minha. Uma angústia por uma vida que eu não gerenciava. Uma angústia que me dava impulso de levantar da cadeira e abrir a janela daquele apartamento que parecia ser uma extensão da cabeça do seu inquilino: um lugar abandonado. Um espaço que já foi local de muita felicidade. Mas agora transparece desistência.
Não é dito durante o filme, mas a impressão que temos ao assistir e analisar os fatos da vida de Charlie é que ele convive com a depressão. E que essa depressão gerou uma obesidade mórbida que o impede de ter o direito de ir e vir com tranquilidade. Tudo que ele faz demanda muita força, muito sofrimento e muita dor. Charlie come por compulsão. Come como válvula de escape. Nosso protagonista sofreu um grande trauma e encontrou na comida o seu conforto.
É muito interessante que possamos trazer essa pauta em debate. Vivemos em uma sociedade que cultua a magreza como saúde, mas não se preocupa com o principal: a saúde mental. Se você já assistiu Quilos Mortais, do Discovery Plus, sabe que a obesidade mórbida impacta muito a vida das pessoas. Nota do editor: não é preciso assistir, mas ok. Mas agora quero fazer uma provocação: quando você vê a imagem de Charlie, em que você pensa? Posso apostar que duas palavras podem vir à sua cabeça: preguiça e desleixo.
Afinal, na maioria das vezes, o corpo gordo é visto como o resultado de uma “falta de vontade de mudar”. Talvez, em alguns momentos do filme, você pense que Charlie podia sair daquela realidade. Que Charlie podia mudar de vida, podia “fazer algo por ele”. Mas já imaginou perder a vontade de fazer qualquer coisa por você mesmo? Já imaginou ter um trauma tão grande que a vida não tem mais graça, não tem mais sentido? Essa é a vida de Charlie e de muitas pessoas com obesidade mórbida. Espero que o filme chegue às pessoas e elas entendam que elas julgam muito sem saber o que é conviver com esta realidade.
Outro debate muito interessante que o filme traz é sobre a religião. Um grupo de pessoas acredita que a religião pode salvar as pessoas, mas esse mesmo grupo de pessoas as condena. O quanto uma religião pode impactar negativamente na vida de alguém? O quanto uma religião pode destruir uma família? Pode julgar atitudes? Condenar seres humanos? O quanto uma religião pode ser desrespeitosa acreditando que quem segui-la é mais merecedor da salvação?
Brendan Fraser foi merecidamente indicado ao Oscar de Melhor Ator, ao Globo de Ouro, (que perdeu para Austin Butler, de Elvis) e venceu o Critics Choice Awards.por sua atuação em A Baleia. É impressionante o quanto ele consegue fazer com que o espectador entre em sua vida, em sua história, em seu apartamento. Sentimos a sua dor. Queremos o ajudar. Sofremos com ele.
Darren Aronofsky merece o mérito de fazer um filme simples e complexo simultaneamente. Tudo se passa em um apartamento, com um elenco enxuto. É a genialidade da simplicidade. E a prova de que para ter um filme inesquecível, não é preciso de efeitos especiais, CGIs, ou trilha sonora da moda. Um bom roteiro e uma boa direção são o segredo que fazem A Baleia entrar no hall de filmes históricos.
Seu nome, inclusive, também pode ser considerado um personagem. Porque, de forma crua, e sem conhecer a história, podemos achar que seria uma espécie de xingamento, até entender o quanto Moby Dick faz diferença para essa história. E não podemos esquecer do elemento chuva. Enquanto tudo acontece, uma chuva que insiste em não ir embora e cria um entorno ainda mais cinza e triste ajuda a desenhar o ambiente.
A Baleia é um filme inesquecível. Vale o ingresso para quem ama cinema e arte.