A Pandemia invadiu Amor de Mãe e isso nos deixa desconfortáveis
De todos os grandes marcos que o setor audiovisual passou no início da pandemia, a interrupção da gravação e, posteriormente, da exibição de novelas inéditas foi talvez o mais emblemático deles. Afinal, quando a Rede Globo interrompeu as gravações do produto televisivo mais popular brasileiro o recado foi dado para a população da forma mais explícita possível. Estávamos enfrentando algo grande, que nunca tínhamos enfrentado antes.
Amor de Mãe, a novela de Manuela Dias, que estava ocupando o horário nobre da emissora, tinha chegado ao seu 102º capítulo. As histórias de Vitória (Taís Araújo), Thelma (Adriana Esteves) e Lurdes (Regina Casé), que se entrelaçam cheias de particularidades, estavam em seu auge. A expectativa era de mais, pelo menos, cinquenta capítulos que resolveriam o grande enigma: onde está Domênico? O filho de Lurdes que foi vendido pelo ex-marido e que ela procurou por quase três décadas.
Na semana que a novela parou, descobrimos quem era Domênico e vimos Thelma ultrapassar todas as barreiras em nome do seu Amor de Mãe. Porém, tudo foi interrompido e no lugar entrou a canastrona Fina Estampa, de Aguinaldo Silva. Depois dela, acompanhamos mais reprises.
Em meados de agosto, a equipe de Amor de Mãe voltou. Com todos os protocolos sanitários, testes e muito acrílico, a novela teve seu desfecho gravado em 23 capítulos. E voltou com a pandemia inserida em suas cenas. E isso nos deixa desconfortáveis, afinal, depois de assistir quase uma hora de Jornal Nacional, o brasileiro não quer mais falar de Coronavírus. Porém, é um desconforto necessário e muito interessante. Explico.
Desde o início das novelas, as produções contemporâneas retratam, de uma forma ou de outra, um reflexo do que a sociedade está passando. Vemos em cena o que acontece no dia-a-dia. Muitas vezes, são as novelas que abrem espaço para discussões de pautas extremamente importantes para a sociedade brasileira. E é justamente nas novelas que precisamos ver o combate ao Coronavírus.
Como foi gravada em agosto de 2020, existem alguns desconhecimentos que aparecem em tela, como quando Magno (Juliano Casaré) e Lídia (Mallu Galli) conversam e dizem que, como ambos pegaram a doença, podem ter contato. Ou quando Danilo (Chay Suede) chega em todos os lugares e tira a máscara. Ou Betina (Isis Valverde) que não utiliza a máscara correta no hospital. Mas isso não minimiza o impacto social de Amor de Mãe.
Em uma cena com os filhos, Lurdes está lavando as compras do mercado. Ela brinca, dizendo que não aguenta mais lavar chuchu. É Lurdes também a personificação de nossas mães, avós, tias, sogras, que não aguentam mais ficar em casa e tentam, a todo custo, achar uma forma de sair. As reuniões online da PWA – a empresa de plástico da novela – (que tem até mesmo diretores da novela como figurantes) representam os milhões de brasileiros que estão fazendo home office desde março de 2020. As chamadas de vídeo de Camila com Lurdes representam todas as vezes que queremos falar com nossos familiares nesse último ano.
São nesses momentos em que Amor de Mãe reflete as nossas vidas que vemos que está todo mundo junto. Todo Brasil hoje enfrenta a maior crise na saúde que nunca imaginou passar. E enfrenta com a dramaturgia fazendo um papel maior que o governo federal. O desconforto que causa Amor de Mãe é porque sabemos que estamos no Titanic. O barco afunda cada vez mais e o capitão não faz nada para mudar essa situação. O desconforto que nos causa é de sabermos que um ano inteiro já passou e ainda não temos nossas vidas de volta. Não podemos abraçar nossas mães no Dia das Mães, no Natal. Vemos os crescimentos de sobrinhos por uma tela. Presenteamos com tele-entregas. E sofremos muitas perdas. Mais de 300 mil famílias brasileiras estão em luto. E mais uma vez é a dramaturgia que faz o papel de alerta. Precisamos nos cuidar, manter o distanciamento social, usar máscara, álcool gel e aguardar, ansiosamente, nossa vez na fila da vacina.