Albatroz: cinema nacional diferente de tudo que você já viu | Crítica
Esqueça o filme nacional mais tradicional. Esqueça tudo que você viu do cinema nacional. Albatroz, filme que estreia dia 7 de março em todo o Brasil, foge a tudo que o público geral já presenciou. O longa-metragem dirigido por Daniel Augusto e com roteiro de Bráulio Mantovani (Cidade de Deus, Tropa de Elite 1 e 2) vai te jogar em um suspense, uma espécie de terror psicológico que nos aprisiona dentro de uma história, em diferentes camadas. E essas camadas sufocam ao ponto de não se saber mais o que é realidade, o que é ficção, o que é sonho ou mesmo delírio. E atenção, se você tem algum tipo de problema de saúde, do tipo de epilepsia, é bom evitar. O jogo de imagens, sobreposições e luz mesclado à narrativa pode incomodar. Mas nada que não tenha sido feito de forma proposital. Como descrito, esqueça o cinema nacional que você está acostumado.
Albatroz vem na esteira de vários filmes brasileiros que estão conseguindo sair de um padrão, entrando em diferentes gêneros, assim como Motorrad no terror slasher e Yonlu em uma espécie de drama musical. Aqui vemos Alexandre Nero como o fotógrafo Simão. Ele é o protagonista, assim como vilão e vítima. Casado com Catarina (Maria Flor) ele se apaixona por outra mulher, Renée (Camila Morgado) em uma viagem de trabalho para Jerusalém. A viagem lhe reserva um fato histórico, do qual ele como fotógrafo não consegue escapar à sua vocação. No entanto, ele retrata um atentado violento em um momento em que poderia ajudar a vítima, o que lhe rendeu fama, muita crítica e polêmicas. Mas não é só isso. Sua ex-namorada de adolescência volta a lhe procurar. Alícia (Andréa Beltrão) acaba esbarrando na vida até então normal do fotógrafo (embora normal não combine com esta produção) o jogando para uma série de situações que só vão se resolver – se é que vão – com o andar do filme.
Vale deixar claro aqui que Albatroz vai soar como vários filmes, ainda que seja único. Com uma complexidade narrativa gritante, você pode se incomodar inicialmente. Vai tentar ficar pensando em tudo que está acontecendo e vai queimar bons neurônios tentando “entrar” no filme. A busca pelo entendimento pode no entanto ir até o final do filme, onde é bem possível se frustrar. A condução vai e vem entre tudo que já apontei no primeiro parágrafo: realidade, sonhos, delírios e ficção, desconstruindo o padrão de início, meio e fim.
Conforme o próprio roteirista Bráulio Mantovani afirma, ‘Albatroz’ tem um pouco de psicanálise selvagem, neurociência para leigos e lógica paraconsistente diluída. E nota-se muito na produção o capricho em usar o jogo de cores, recortes de documentários científicos e até mesmo o reflexo de imagens em janelas, portas e espelhos, dando uma sensação de que realmente as camadas entre história e personagens são várias. É difícil até mesmo tentar descrever o que ocorre dentro do filme, que tem 1 hora e 37 minutos, mas aparenta mais tamanha a carga de informações que o espectador é submetido.
Além da história entre Simão, Renée, Catarina e Alícia, temos uma subtrama de um crime. Um assassinato que envolve Alícia, que trabalha como escritora e é interrogada por um delegado. Essa subtrama também se entrelaça com Simão, mas adentrar neste aspecto pode tirar também a graça de assistir ‘Albatroz’. Ficou confuso? É assim que você vai ficar também no longa. Faltou alguma coisa? Temos ainda pitadas de crítica política entre Jerusalém e Palestina, em uma metáfora dentro das alucinações (ou não) do personagem e uma trama de uma pesquisa neurocientífica secreta que envolve sensações e alterações de sonhos, afetando profundamente o personagem de Simão e todo seu arco evolutivo. O suspense é mantido do início ao fim e joga vários caminhos (ou descaminhos) para os personagens. Albatroz brinca com tudo isso, sempre de forma muito proposital, com um elenco que entrega muito da loucura que direção e roteiro insistem em passar.
Ao mesmo tempo que investe na complexidade para se destacar, a linha entre uma ótima produção e uma nem tanto é tênue, e brincar com esse limite talvez seja o maior erro de direção e roteiro de Albatroz. Nessa linha, uma virada a mais de roteiro pode soar como um drible desnecessário na hora de um chute a um gol, uma piada de mal gosto quando o stand-up estava perfeito, ou aquela pitada a mais de pimenta no jantar que inibe o elogio do chef mais famoso do mundo.
Mas Albatroz é diferente. E isso é ótimo.