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Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, é um novo marco do cinema brasileiro

O período ditatorial brasileiro foi abordado em diversas obras cinematográficas. O Que É Isso, Companheiro?, de Bruno Barreto e O Dia Que Durou 21 Anos, de Camilo Tavares são alguns dos exemplos que vem à cabeça quando falamos desse período. Contudo, eu sempre gosto de lembrar de O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, de Cao Hamburger, que traz um olhar diferente sobre esse momento. A visão de quem fica. E, em Ainda Estou Aqui, o novo filme de Walter Salles, temos também esse viés.

Baseado na obra homônima de Marcelo Rubens Paiva, Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles) conta a história da família Paiva, formada por Rubens (Selton Mello), Eunice (Fernanda Torres) e seus cinco filhos. Uma família feliz, que mora na beira da praia no Rio de Janeiro, aspira construir uma casa grande em um terreno cercado por verde. Com a vida financeira estável, aparentemente tudo tende a dar certo para esta família. Se não fosse o golpe militar que o Brasil sofreu em 1964 e a repressão, o AI-5 e toda violência que se seguiu.

Após desenhar o funcionamento dos Paiva, o longa, até então solar e alegre, se torna basicamente um thriller. Rubens é recolhido, a família começa a ser vigiada e a vida de Eunice se transforma, completamente. E é a partir desse ponto que o filme realmente cresce.

O roteiro, premiado no Festival de Veneza, é realmente envolvente, emocionante e escolhe contar a história pelo olhar de uma mãe. Uma mãe que, mesmo quando o seu mundo está desmoronando, ela se vê na necessidade de cuidar, da melhor forma que pode, dos cinco filhos. Que mesmo quando está no auge do seu desespero, precisa arrumar brinquedos e levar as crianças para tomar sorvete. O mundo desmorona nas costas dela e, para seguir na normalidade, ela pede para que todos sorriam. Sempre.

Eunice Paiva, apesar de fazer parte de uma classe social mais abastada, é o retrato da mulher brasileira. Que precisa se desdobrar para dar conta de criar pessoas para um futuro incerto. Fernanda Torres entrega, com muita verdade, essa personagem. Empresta seu corpo, sua voz e, até mesmo, suas rugas, para uma mulher, como tantas outras, que lutam e lutaram para que suas famílias não se dissolvessem devido à violência. Que falam, para seus filhos, todos os dias, que isso é a vida, que pelo menos estamos juntos, que estamos bem. Que choram desamparadas em um quarto, para que ninguém veja, mas se recompõe, escondem as suas dores e vão amparar seus filhos.

Apesar de toda violência e repressão, o filme consegue optar pela delicadeza. Pela alegria, pelo toque, pela felicidade. Ainda Estou Aqui é um drama emocionante, envolvente, bem escrito e bem dirigido. Com toda certeza, um marco para a história do cinema brasileiro.

Com muitos acertos e poucos erros, o elenco, em sua maioria é bem pensado. Selton Mello demora um pouco para engrenar, mas aos poucos, vai virando Rubens. Contudo, uma das grandes cenas do filme é da rainha do cinema nacional, Fernanda Montenegro. Sua atuação monstra não precisa de uma única palavra.

A direção de arte é primorosa. Estamos completamente entregues aos anos 1970. As cores são muito bem escolhidas, bem como os figurinos. Além disso, a escolha dos enfoques ajuda a contar a história. Walter Salles, consegue, mais uma vez, fazer algo inesquecível, como fez em Central do Brasil. Lindo, delicado, emocionante e brasileiro.

Ainda Estou Aqui prioriza mostrar qual foi o impacto da ditadura para as famílias. Para quem ficou. Para quem ainda está aqui, até hoje, sofrendo com a perda – ou o desaparecimento de entes queridos. Vá aos cinemas, assista Ainda Estou Aqui e fique emocionado com essa obra.

Veredito da Vigilia

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